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domingo, 31 de maio de 2020

Lives Junho Instagram IARGS

Calendário das lives realizadas no perfil @iargs.oficial do Instagram, sempre às 20h


Dia 02/06 - Dra Gisele Cabral 

Tema: O direito à privacidade em tempos de pandemia 

Mediação: Ana Amélia Prates


Dia 04/06  – Dra Maria Isabel Pereira da Costa e Dr Tiago Kidricki

Tema: Benefícios Previdenciários em época difícil 

Mediação: Terezinha Tarcitano


Dia 09/06  – Dr Leonardo Lamachia 

Tema: “A advocacia do futuro e o futuro da advocacia” 

Mediação: Ana Amélia Prates


Dia 10/06  – Dra Cristiane Nery 

Tema: Um novo olhar sobre o direito e a gestão fiscal em tempos de crise 

Mediação: Ana Amélia Prates


Dia 11/06  – Dra Renata Viola Vives 

Tema: Relações Familiares em tempos de pandemia 

Mediação: Ana Amélia Prates


Dia 15/06 - Dr Alberto Kopittke

Tema: Consequências da pandemia para a Segurança Pública

Mediação: Terezinha Tarcitano


Dia 16/06  – Dr Rafael Canterj 

Tema: Acordo de não persecução penal 

Mediação: Ana Amélia Prates


Dia 18/06  – Dr Gustavo Juchem 

Tema: As repercussões da pandemia do novo Coronavírus nas relações de trabalho. 

Mediação: Ana Amélia Prates


Dia 23/06  – Dra Beatriz Peruffo 

Tema: Fortalecimento da mulher em tempos de pandemia 

Mediação: Ana Amélia Prates


Dia 25/06  – Dra Melissa Telles 

Tema: Casa: Abrigo ou desamparo? 

Tema: COVID 19 - campo fértil para o aumento da violência intrafamiliar 

Mediação: Ana Amélia Prates


Dia 30/06  – Dra Daniela Cirne Lima 

Tema: Revisional Contratual

Mediação: Ana Amélia Prates

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Adiamento do IX Congresso de Direito Tributário - Questões Polêmicas para 2021

A vice-presidente do Instituto dos Advogados do RS, Dra. Alice Grecchi, coordenadora do Congresso Brasileiro de Direito Tributário – Questões Polêmicas, que seria realizado nos dias 10 e 11 de setembro, na sua nona edição, informou as principais razões que a levou a optar por transferir o evento para o ano que vem, nos dias 16 e 17 de setembro. 

Em primeiro lugar, destacou a incerteza de que em setembro já seria possível reunir em torno de 500 pessoas em um único local. A segunda razão apontada por ela refere-se aos custos de passagens aéreas e estadia dos palestrantes oriundos de vários Estados do Brasil, a exemplo de Recife, do Paraná, de São Paulo, de Brasília e de Minas Gerais. “Teríamos que arcar com um custo antecipado sem ter a certeza da possibilidade da realização do Congresso Tributário”, afirmou. 

Outra razão indicada pela vice-presidente foi a negativa de participação de alguns órgãos públicos que, com antecedência, já definem a quantidade de funcionários que enviam para participar do evento. “O Congresso é essencial para a qualificação dos funcionários públicos municipais, estaduais e federais, além de Procuradorias etc”, justificou Alice, informando que, ao já contatar algumas prefeituras do interior do Estado, todas sinalizaram que, “infelizmente”, estavam sem previsão de orçamento destinada à qualificação de funcionários, levando em consideração a pandemia. 

Ela lembrou que, da mesma maneira, ao contatar os profissionais liberais que sempre inscrevem anualmente para o congresso, a exemplo de advogados e de contadores, “que frequentam esse curso para a qualificação do seu trabalho”, admitiram que teriam certa dificuldade tanto de pagar as inscrições, “embora seja de valor baixo”, como também de custear sua estadia em Porto Alegre. 

Por todas essas razões, a coordenadora geral do evento concluiu que a melhor decisão seria adiá-lo para o próximo ano na torcida de que, até lá, tudo já tenha entrado na normalidade, principalmente a economia.

Terezinha Tarcitano

Assessora de Imprensa


terça-feira, 26 de maio de 2020

As liberdades individuais no contexto da Covid-19: Constituição em tempos de pandemia


Artigo do advogado Henrique Abel, associado do IARGS

Uma das principais polêmicas estabelecidas em decorrência da atual pandemia da COVID-19, causada pelo vírus SARS‑CoV‑2, diz respeito à constitucionalidade e legalidade das medidas de restrição às liberdades individuais que foram amplamente adotadas por governadores e prefeitos por todo território nacional. 

Não há dúvida de que tais medidas representam, sim, efetivas restrições a direitos e princípios fundamentais assegurados pela nossa ordem constitucional. Estão incluídas aí a proibição de certas atividades produtivas e profissionais, o fechamento total ou parcial do comércio e a imposição do uso de máscaras para ingresso em estabelecimentos – bem como a orientação geral para que as pessoas pratiquem o distanciamento e o isolamento social. 

No entanto, há que se esclarecer que a adoção de tais medidas, no contexto do interesse maior da saúde pública e da proteção de vidas humanas, de forma alguma configura “ruptura” com a principiologia constitucional da ordem democrática pós-1988. Tais restrições não possuem motivação gratuita ou aleatória e tampouco estão sendo concebidas em caráter permanente, mas sim como resposta temporária e provisória a uma situação excepcional que caracteriza a maior crise de saúde pública vista no mundo desde a eclosão da gripe espanhola, no começo do século XX. 

Pelo menos desde o clássico “Leviatã”, de Hobbes, sabemos que toda a vida em sociedade implica inevitavelmente em algum grau de relativização da liberdade radical e absoluta de cada indivíduo. Trata-se de um pressuposto bem estabelecido na ciência política, no mínimo, desde o século XVII. Quando John Stuart Mill, um ícone da filosofia política liberal, publica a sua célebre obra "Sobre a Liberdade" em 1859, é possível verificar que a lição hobbesiana sobre os limites da liberdade individual na vida em sociedade encontra-se inteiramente assimilada.[1]

A liberdade individual absoluta só é possível num estilo de vida do tipo “Tarzan”, com um autêntico self-made man vivendo com absoluta autonomia, de forma soberana, tendo como entorno única e exclusivamente o mundo natural da vida selvagem e não-comunitária. A saída deste estado de natureza, organizada em torno de uma comunidade política, traz consigo todos os benefícios próprios da civilização – mas implica, necessariamente, em algum grau de limitação do escopo das liberdades individuais. 

Os exemplos disso, em tempos de normalidade não-pandêmica, são amplos e variados. Podemos citar aqui, ilustrativamente: o dever impositivo de pagar tributos; a proibição da autotutela privada e da vingança como forma de resolução de disputas; a proibição de uso e consumo de substâncias variadas, a exigência de licença de órgãos estatais para condução de veículos automotores; as limitações ao porte e uso de armas de fogo, a adoção de pedágios em estradas (limitações indiscutíveis ao direito de ir e vir); os requerimentos legais e burocráticos para exercício de certas atividades ou profissões; o trancamento de ruas e vias públicas para realização de manifestações ou de atividades comunitárias; etc. 

Se tais restrições e limitações são inerentes à vida em sociedade em tempos de “normalidade”, tanto mais amplas e profundas elas podem se tornar em um contexto de gravíssima crise de saúde pública, como é o caso da pandemia que atualmente enfrentamos. 

Não há, aqui, "ruptura" com a normatividade constitucional. A livre iniciativa, o valor social do trabalho, o livre exercício dos cultos religiosos, a vida privada, o exercício livre da profissão e a livre locomoção permanecem sendo garantias constitucionais indissociáveis dos próprios fundamentos da República Federativa do Brasil. Ocorre, todavia, que não existe direito absoluto. Na lição de Gilmar Mendes, os contornos do âmbito de proteção do direito serão firmados pela elucidação do suporte fático do direito fundamental em questão, do bem jurídico protegido pela norma e dos limites que tenham esses direitos fundamentais (estabelecidos pela lei ou pela Constituição).[2]

Se é verdade que o texto constitucional não prevê explicitamente a relativização de tais direitos em um cenário de pandemia viral, é igualmente verídico que, nesta quadra da história, constitui grosseira ignorância jurídica repristinar o velho positivismo exegético e sonhar com a possibilidade de um sistema normativo escrito capaz de abranger e responder, de antemão, a todas as hipóteses fáticas passíveis de ocorrência na vida cotidiana do mundo prático.[3]

Além disso, o próprio texto constitucional deixa claro que tais restrições a direitos e garantias fundamentais são possíveis. Apenas para citar alguns exemplos, temos o inciso XXIV do Art. 5º da C.F/88, que prevê a possibilidade de desapropriação de propriedade privada por necessidade, utilidade pública ou interesse social, bem como o inciso XXV do mesmo artigo, que determina que o poder público pode usar de propriedade particular, em caso de iminente perigo público.[4]

Por fim, observo que a comunidade jurídica tem o dever de rechaçar o absurdo discurso político, propalado pelo Presidente da República, no sentido de que “a liberdade seria mais importante do que a vida”. Este excêntrico mantra não apenas é um nonsense moral e uma contradição lógica (na medida em que a vida é condição de possibilidade para a liberdade), mas também uma completa impropriedade jurídica. 

Nosso ordenamento é rico em possibilidades rigorosamente legais de relativização da liberdade, que vão desde uma mitigação pontual (proibições de condutas, deveres impositivos) até a privação completa da liberdade (penas privativas por cometimento de crimes). Por outro lado, o ordenamento só admite a relativização do bem jurídico “vida” em situações extremas, como legítima defesa, estado de necessidade ou, como pena aplicada pelo Estado, única e exclusivamente em um cenário de guerra declarada. A principiologia constitucional, assim, é muito clara e não dá margem para inversões criativas. A rigor, a proteção jurídica da vida só encontra limitação em situações de oposição entre os direitos de diferentes pessoas envolvendo o mesmo bem jurídico supremo – qual seja, a própria vida. 

Além disso, cabe lembrar que restrições às liberdades individuais são sempre reversíveis, seja por seu caráter temporário e/ou excepcional, seja por eventual má-aplicação posteriormente corrigida. O mesmo não pode ser dito em relação ao atropelo da vida enquanto bem jurídico, que gera consequências permanentes, pelo menos até o dia em que a ciência e a técnica forem capazes de proporcionar a reversibilidade da morte enquanto fenômeno biológico – o que, até aonde alcança o horizonte de nossas expectativas, ainda se trata de ideia exclusiva do domínio da ficção científica. 


[1] Mill advoga pelo respeito à liberdade das pessoas em sua esfera pessoal (sobre a qual o juiz deve ser a própria pessoa, e não o governo), mas ressalva que "é um caso muito diferente se ela tiver infringido as regras necessárias para a proteção de seus semelhantes, tomados individual ou coletivamente. Nesse caso, as consequências nocivas de seus atos recaem não sobre ela e sim sobre outros; e a sociedade, como protetora de todos os seus membros, deve exercer uma retaliação contra ela, deve lhe infligir castigo com finalidade expressamente punitiva e deve garantir que a punição seja de suficiente rigor". MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Porto Alegre, RS: L&PM, 2016. p. 122. 

[2] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Ganet. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 187. 

[3] Para uma melhor compreensão da diferença entre o primitivo positivismo exegético e o positivismo normativista, ver: STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, 2017. 

[4] Frise-se que não se trata, aqui, de nenhum tipo de "correção do Direito pela moral", mas sim do reconhecimento da existência de princípios jurídicos, com força normativa. A existência de tais princípios (jurídicos, e não morais) decorre da coerência e integridade do ordenamento, e não da vontade discricionária dos juízes. Sobre os limites da discricionariedade judicial no paradigma do Estado Democrático de Direito contemporâneo, ver: ABEL, Henrique. Positivismo Jurídico e Discricionariedade Judicial. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Dra Simone da Rocha Custódio - manifestação sobre o livro IARGS 93 anos



Manifestação da Dra Simone da Rocha Custódio, diretora Administrativo-Financeira da ESDM (Escola Superior de Direito Municipal)

Estive presente no evento de lançamento do Livro de 93 anos da história do IARGS, em 28.11.2019. A noite de comemoração do aniversário do Instituto e da posse de novos associados foi maravilhosa, com o tradicional jantar no Plaza São Rafael. Todavia, preciso revelar a emoção que senti ao receber este livro e, especialmente, ao folhear suas páginas. Afora, evidentemente, a incontestável riqueza do material histórico, dele se extrai muito mais: amor ao Direito, garra, estudo e muita persistência! 

Ao ler o livro, não posso evitar (e não quero) que a história seja contada ao som das palavras ditas pela própria Dra. Sulamita. E isso porque, com sua incansável e admirável dedicação ao Instituto, tive o prazer de várias vezes ouvi-la contá-la. 

Todos os fatos e momentos registrados são valorosos, mas faço destaque a foto da página 208, onde Dra. Sulamita segura o Livro de Heróis da Pátria, em páginas de aço, onde gravado o nome de José Feliciano Fernandes Pinheiro – o Visconde de São Leopoldo, reconhecido como herói nacional por iniciativa desta Advogada Emérita. Para mim, esta foto é símbolo de inspiração! 

Deixo aqui registrados meus parabéns à Dra. Sulamita, à historiadora Karla Rech, e a todos que contribuíram para que o livro virasse realidade e a história do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul fosse narrada e chegasse às mãos dos advogados. História que, como referido no próprio livro, se funde às histórias do Brasil, dos Cursos de Direito e do nosso querido Rio Grande.

terça-feira, 19 de maio de 2020

União estável. Importância jurídico-social. Entendimento recente


Artigo do advogado Fernando Malheiros Filho, especialista em Direito de Família e Sucessões


Há temas, no Direito, que haverão de despertar apenas o interesse acadêmico, tão rarefeita poderá ser sua aplicabilidade e complexo o seu entendimento. Isso não passa com o fenômeno ao qual que a Constituição de 1988 pespegou o nome de União Estável. Ainda estão por vir os estudos sociológicos que haverão de explicar a predileção brasileira pelo instituto, de natureza predominantemente informal e que normalmente emerge dos fatos. 

Abandonando a concepção solene que impregnava o Código Civil de 1916, salvo com relação a alguns atos jurídicos como passa com o testamento, o Código de 2002 deu aos fatos relevância antes desconhecida. Pelos fatos, e muita vez de forma imperceptível, vamos construindo os elementos da vida, formando família, erigindo patrimônio e contratando regime de bens. É o quanto passa com a União Estável, fórmula, salvo engano, eleita pela maioria dos brasileiros jovens para dar início à vida familiar, por vezes nem o sabendo. 

Mas a União Estável traz efeitos relevantíssimos para a vida de qualquer partícipe. Justamente por isso, sempre que o relacionamento não foi formalizado e um dos interessados decide disputar seu reconhecimento no plano judicial, a jurisprudência é cautelosa, exigindo prova inequívoca da constituição dos elementos informadores do fenômeno. Cuida-se de espécie de princípio in dubio pro reo, aplicável ao Direito de Família. 

Efetivamente, para o bem ou para o mal, a jurisprudência, inclusive do STF, vem afirmando a absoluta igualdade constitucional entre a família formada pelo casamento e aquela que advém da União Estável. Prova disso deu-se com o entendimento sufragado no RE 878.694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 6/2/2018, Tema 809/STF, pelo qual se houve por inconstitucional a distinção dos regimes sucessórios, entre aquele próprio ao matrimônio, previsto pelo art. 1829, do CC, e o outro, próprio à União Estável, previsto pelo art. 1.790, do CC, agora derrogado frente a inconstitucionalidade declarada[1], com aplicação dos processos judiciais em que ainda não se dera o trânsito em julgado da sentença de partilha à data do julgamento. 

Essa deliberação, que tem data no ano de 2018, embora não trate do assunto, mas frente a concepção de plena igualdade entre as formas de formação familiar, talvez alcance mesmo a condição de herdeiro(a) necessário(a) garantida pela Lei Sucessória exclusivamente ao cônjuge, conforme dispõe o art. 1.845[2], do CC, estendendo-a ao companheiro em União Estável. 

É certo que, a despeito de deliberação escrita sobre os efeitos patrimoniais da união estável, uma vez reconhecida, judicial ou extrajudicialmente, aplicar-se-á o regime da comunhão parcial, que, nos termos do art. 1.658, do CC, alcança todos aqueles que sobrevierem ao início da união, a título oneroso, salvo as exceções previstas em lei, inclusive as verbas trabalhistas que a jurisprudência superior vem considerando comunicáveis, desde que nascidas e pleiteadas na constância da união[3]

Sendo comum que o relacionamento tenha seu termo inicial sob os auspícios da informalidade, igualmente é não raro que, no curso do relacionamento, os companheiros resolvam dar tratamento patrimonial, por escrito, ao vínculo que mantêm, hipótese inteiramente permitida pelo entendimento dos tribunais, mas com efeitos ex nunc[4], ou seja, que alcança apenas aqueles adquiridos após a convenção escrita. 

Note-se que a união estável obedece à principiologia própria às relações humanas, regidas pelos princípio da boa-fé e da impossibilidade do torpe extrair vantagem da própria torpeza, como parece ter passado em julgamento perante o STJ, no qual o argumento do réu, de ter se mantido infiel durante o tempo de duração da união, não a descaracteriza[5]. Convém, entretanto, diferir as situações de fato, entre aquela em que o vínculo reúne todas as condições para autorizar o reconhecimento judicial da união, e um dos parceiros segue mantendo vida de liberdade sexual, em violação à fidelidade estabelecida, e a outras em que essa condição libertária e de desvinculação é própria aos relacionamentos sem compromisso, que por isso mesmo não haverão de merecer o amparo legal. À constituição da união estável, tem o STJ, com frequência, sustentado que a fidelidade, tal como no casamento, é elemento norteador e constitutivo, razão pela qual não se admite o reconhecido de duas ou mais relações concomitantes[6]

Tampouco se cogitará impedimento ao reconhecimento da União acaso mantido o casamento formal com outrem por um ou ambos os companheiros. A formalidade cede ao fato da constituição da família, desde que antecedida da separação de fato pelo companheiro formalmente casado (CC, art. 1723, § 1º), até porque a separação de fato também importa na dissolução do regime de bens estabelecido pelo casamento que factualmente se desfez[7]

A relevância do fenômeno exige prova consistente e escorreita de sua existência, até sob a consideração de que a família, após constituída e por sua constância, sempre deixa resíduos indeléveis, cuja inexistência inspira dúvida quanto à sua constituição. Em precedente muito recente, o STJ decidiu que, em matéria de União Estável, deve ser aplicado o princípio processual da não surpresa, de modo a tornar nula a decisão que reconhece a existência do vínculo familiar com fundamento em elemento probatório trazido ao Judiciário sem que a parte contrária fosse chamada a questioná-lo ou contraditá-lo[8]

Na estreiteza das hipóteses de reconhecimento da união, levando em consideração a sucessão de regimes legais aos quais o fenômeno acabou submetido, ainda que as hipóteses de configuração, pelo curso do tempo, sejam cada vez mais raras, não se aplica a presunção legal de comunhão de adquiridos ao período anterior à Lei 9.278/96[9]

A União Estável não reclama apenas efeitos civis, sejam os patrimoniais, assistenciais e sucessórios, atingindo também o plano previdenciário, já tendo ficado certo que, reconhecida a união post mortem, cabe ao sobrevivente o direito à pensão previdenciária independentemente da prévia inscrição que tenha formalizado o falecido[10]

O fenômeno também não escapou à influência da pandemia, que hoje assola o mundo, invocada à condição de fundamento para as alterações dos vínculos jurídicos entre seus partícipes, como passa em tema de visitação aos filhos. Na hipótese enfrentada pela jurisprudência, o risco da doença não foi admitido para a finalidade de alteração do sistema de visitas, ao argumento de que o genitor visitante haveria de tomar todas as providências necessárias e indispensáveis à proteção do infante visitado[11], preservada a grande relevância do vínculo familiar. Mas o efeito pandemia acabou admitido por fundamento à prisão domiciliar daqueles devedores inadimplentes dos alimentos[12]

Esses elementos da casuística são informadores da riqueza que envolve fenômeno jurídico de tão larga utilização entre nós – que sempre fomos avessos às formalidades –, rebeldia contra o Estado “Leviatã”, na expressão consagrada por Thomas Hobbes.



[1] AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REMOÇÃO DE INVENTARIANTE. INDEFERIMENTO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. HERDEIRO. RECONHECIMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF QUANTO À DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO PARA OS CÔNJUGES E COMPANHEIROS. APLICABILIDADE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, assinalou que "é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002" (RE 878.694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 6/2/2018; Tema 809/STF). Aplicação do entendimento jurisprudencial aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, tal como ocorre no caso.
2. Agravo interno não provido.
(AgInt nos EDcl no AREsp 1474645/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 03/03/2020)

[2] Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
[3] AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO.
INSURGÊNCIA DA PARTE DEMANDADA.
1. A jurisprudência do STJ é pacífica quanto à comunicabilidade dos créditos trabalhistas nascidos e pleiteados na constância da união estável, razão pela qual não há como afastar o entendimento firmado na instância ordinária. Incidência da Súmula 83/STJ.
1.1. Rever a conclusão do órgão julgador, no sentido de que o período aquisitivo da indenização trabalhista se deu durante a união estável, encontra óbice na Súmula 7/STJ.
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1121535/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 03/02/2020)

[4] RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. SOCIEDADE DE FATO. SÚMULA Nº 380/STF. INCIDÊNCIA. AQUISIÇÃO PATRIMONIAL. ESFORÇO COMUM. PROVA.
IMPRESCINDIBILIDADE. UNIÃO ESTÁVEL. LEI Nº 9.278/1996.
IRRETROATIVIDADE. SÚMULA Nº 568/STJ. ARTS. 2º E 6º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. ÔNUS DA PROVA. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a avaliar se os bens amealhados em período anterior à vigência da Lei nº 9.278/1996 devem ser divididos proporcionalmente, sem a demonstração da efetiva participação, direta ou indireta, de cada companheiro para a construção do patrimônio.
3. A presunção legal de esforço comum na aquisição patrimonial na união estável foi introduzida pela Lei nº 9.278/1996. 4. Na hipótese, incide o regime concernente às sociedades de fato em virtude do ordenamento jurídico em vigor no momento da respectiva aquisição (Súmula nº 380/STF).
5. O ordenamento jurídico pátrio, ressalvadas raras exceções, não admite a retroatividade das normas para alcançar ou modificar situações jurídicas já consolidadas. Portanto, em regra, a alteração de regime de bens tem eficácia ex nunc.
6. Rever as circunstâncias fáticas revolvidas na origem quanto à prova do esforço comum de ex-companheira do autor da herança na aquisição de bens antes da vigência do referido diploma encontra óbice na Súmula nº 7/STJ.
7. Recurso especial não provido.
(REsp 1752883/GO, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2018, DJe 01/10/2018)
[5] AGRAVO INTERNO. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC. REEXAME DO SUPORTE FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ.
IMPOSSIBILIDADE DE A PARTE SE BENEFICIAR DA PRÓPRIA TORPEZA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação dos artigos 11, 489 e 1.022 do Código de Processo Civil quando a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. 2. A reapreciação do suporte fático-probatório dos autos é vedada nesta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
3. Mostra-se de todo descabida a tese do recorrente segundo a qual o fato de não haver sido fiel à sua companheira teria o condão de descaracterizar a união estável, eximindo-o das responsabilidades daí advindas, pois a ninguém é permitido alegar a própria torpeza em seu proveito, mormente em se tratando de relações familiares.
Precedentes.
4. Constata-se a falta de prequestionamento no tocante à suposta afronta ao artigo 6º da LINBD. Aplicação da Súmula 211/STJ.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1551631/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2019, DJe 10/12/2019)

[6] DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. RELAÇÃO CONCOMITANTE. DEVER DE FIDELIDADE. INTENÇÃO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. AUSÊNCIA. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 1º e 2º da Lei 9.278/96. 1. Ação de reconhecimento de união estável, ajuizada em 20.03.2009. Recurso especial concluso ao Gabinete em 25.04.2012. 2. Discussão relativa ao reconhecimento de união estável quando não observado o dever de fidelidade pelo de cujus, que mantinha outro relacionamento estável com terceira. 3. Embora não seja expressamente referida na legislação pertinente, como requisito para configuração da união estável, a fidelidade está ínsita ao próprio dever de respeito e lealdade entre os companheiros. 4. A análise dos requisitos para configuração da união estável deve centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a continuidade da união, e também a fidelidade. 5. Uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade - que integra o conceito de lealdade e respeito mútuo - para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a busca da realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade. 6. Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade. 7. Na hipótese, a recorrente não logrou êxito em demonstrar, nos termos da legislação vigente, a existência da união estável com o recorrido, podendo, no entanto, pleitear, em processo próprio, o reconhecimento de uma eventual uma sociedade de fato entre eles. 8. Recurso especial desprovido. (REsp 1348458/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/05/2014, DJe 25/06/2014)

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. O IMPEDIMENTO PARA O CASAMENTO IMPEDE A CONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL E, POR CONSEQUÊNCIA, AFASTA O DIREITO AO RATEIO DO BENEFÍCIO ENTRE A COMPANHEIRA E A VIÚVA, SALVO QUANDO COMPROVADA A SEPARAÇÃO DE FATO DOS CASADOS. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. Esta Corte Superior já pacificou o entendimento de que a existência de impedimento para o casamento disposto no art. 1.521 do Código Civil impede a constituição de união estável e, por consequência, afasta o direito ao recebimento de pensão por morte, salvo quando comprovada a separação de fato dos casados, o que, contudo, não configura a hipótese dos autos.
2. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1418167/CE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/03/2015, DJe 17/04/2015)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PEDIDO DE ARROLAMENTO E PARTILHA DE BENS. UNIÃO ESTÁVEL CONCOMITANTE A CASAMENTO SEM SEPARAÇÃO DE FATO. 1. À luz do disposto no § 1º do artigo 1.723 do Código Civil de 2002, a pedra de toque para o aperfeiçoamento da união estável não está na inexistência de vínculo matrimonial, mas, a toda evidência, na inexistência de relacionamento de fato duradouro concomitante àquele que pretende proteção jurídica. Nesse viés, apesar de a dicção da referida norma também fazer referência à separação judicial, é a separação de fato (que, normalmente, precede a separação de direito e continua após tal ato formal) que viabiliza a caracterização da união estável de pessoa casada. 2. Consequentemente, mantida a vida em comum entre os cônjuges (ou seja, inexistindo separação de fato), não se poderá reconhecer a união estável de pessoa casada. Nesse contexto normativo, a jurisprudência do STJ não admite o reconhecimento de uniões estáveis paralelas ou de união estável concomitante a casamento em que não configurada separação de fato. 3. No caso dos autos, procedendo-se à revaloração do quadro fático delineado no acórdão estadual, verifica-se que: (a) a autora e o réu (de cujus) mantiveram relacionamento amoroso por 17 anos; (b) o demandado era casado quando iniciou tal convívio, não tendo se separado de fato de sua esposa; e (c) a falta de ciência da autora sobre a preexistência do casamento (e a manutenção da convivência conjugal) não foi devidamente demonstrada na espécie, havendo indícios robustos em sentido contrário. 4. Desse modo, não se revela possível reconhecer a união estável alegada pela autora, uma vez que não foi atendido o requisito objetivo para sua configuração, consistente na inexistência de relacionamento de fato duradouro concomitante àquele que pretende proteção jurídica. 5. Uma vez não demonstrada a boa-fé da concubina de forma irrefutável, não se revela cabida (nem oportuna) a discussão sobre a aplicação analógica da norma do casamento putativo à espécie. 6. Recursos especiais do espólio e da viúva providos para julgar improcedente a pretensão deduzida pela autora. (REsp 1754008/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe 01/03/2019)
[7] AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. SEPARAÇÃO DE FATO. REGIME MATRIMONIAL DE BENS.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. O aresto recorrido está em sintonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de que a separação de fato põe fim ao regime de bens do casamento, motivo pelo qual os cônjuges não têm mais direito à meação dos bens adquiridos pelo outro.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt nos EDcl no AREsp 1408813/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2019, DJe 19/12/2019)

[8] CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. FAMÍLIA. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PERÍODO DE CONVIVÊNCIA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO COM BASE EM DECISÃO SURPRESA. OFENSA AO ART. 10 DA NCPC CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Aplicabilidade das disposições do NCPC, no que se refere aos requisitos de admissibilidade do recurso especial ao caso concreto ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/15 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade na forma do novo CPC.
2. Sentença de parcial procedência mantida pelo acórdão recorrido, definindo até o termo inicial da união estável, que repercutiu na esfera patrimonial dos litigantes, com amparo em fundamentação sobre a qual não se deu oportunidade de manifestação às partes, padece de nulidade e deve ser ineficaz em relação a elas, em virtude da vedação da chamada "decisão surpresa".
3. O princípio da cooperação e também o da "não surpresa" previstos no art. 10 do NCPC - que são desdobramentos do devido processo legal -, permitem e possibilitam que os sujeitos processuais possam influir concretamente na formação do provimento jurisdicional, garantindo um processo mais justo e isonômico, motivo pelo qual não se pode admitir que a sentença se valha de fatos trazidos pelo Ministério Público local não conhecidos por elas e não submetidos ao contraditório, impondo-lhes notório prejuízo.
4. Recurso especial provido.
(REsp 1824337/CE, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 13/12/2019)

[9] AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO ANTERIOR E DISSOLUÇÃO POSTERIOR À LEI 9.278/96. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE ANTES DE SUA VIGÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA. APLICAÇÃO RETROATIVIDADE.
FUNDAMENTO ÚNICO E SUFICIENTE. IMPUGNAÇÃO. SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. SÚMULA 7/STJ.
1. A ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo independente da decisão singular de mérito, proferida em recurso especial ou agravo, apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182/STJ.
2. Hipótese, ademais, em que impugnado no agravo interno, ainda que de forma sumária, o único fundamento suficiente do acórdão recorrido (e da decisão alvo do agravo interno), a saber, a aplicação retroativa da Lei 9.278/1996, sem o qual não se sustenta a solução de partilha igualitária de todos os bens do ex-casal.
3. Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha de bens não se confundem: a sucessão é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha de bens, ao contrário, seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge, deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar.
4. A presunção legal de esforço comum na aquisição do patrimônio dos conviventes foi introduzida pela Lei 9.278/96, devendo os bens amealhados no período anterior à sua vigência ser divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direto ou indireto, de cada convivente, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição.
5. Os bens adquiridos a título oneroso a partir de 10.5.1996 e até à extinção da união estável, em decorrência da morte do varão, integram o patrimônio comum dos ex-conviventes e, portanto, devem ser partilhados em partes iguais entre eles, nos termos dos arts. 5º da Lei 9.278/1996 e 1.725 do Código Civil.
6. A alteração da conclusão das instâncias de origem no tocante ao quanto os demandantes saíram vencedores ou vencidos, com a finalidade de apurar a ocorrência de sucumbência mínima ou recíproca, demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento vedado no âmbito do recurso especial (Súmula 7/STJ.
7. Agravo interno e recurso especial providos.
(AgInt no REsp 1519438/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 16/03/2020)

[10] AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. PENSÃO POR MORTE. PREVISÃO CONTRATUAL. REVISÃO.
SÚMULAS 5 E 7/STJ. INCLUSÃO DE COMPANHEIRA. POSSIBILIDADE. INSCRIÇÃO ANTERIOR. DESNECESSIDADE. PRÉVIA FONTE DE CUSTEIO. NECESSIDADE.
CONSTATAÇÃO. REEXAME. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. ANÁLISE CONTRATUAL. SÚMULAS 5 E 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, uma vez comprovada a união estável, faz jus o companheiro ao benefício de pensão pós-morte do segurado, sem a necessidade de inscrição prévia como beneficiário.
2. De acordo com a orientação jurisprudencial vigente nesta Corte Superior, o pagamento de benefícios adquiridos por meio de previdência privada fica condicionado à existência de reserva financeira.
3. No caso em exame, ficou atestado pelo Tribunal estadual que a recorrida foi constituída como beneficiária do plano previdenciário adquirido por seu companheiro falecido, cujo contrato celebrado previa o pagamento de pensão por morte, verificando a Corte local que a fonte de custeio para adimplemento dos benefícios mensais foi devidamente garantida pelo de cujus quando do repasse das parcelas cobradas mês a mês.
4. Constatando-se que todos os fundamentos inseridos no acórdão recorrido originaram-se do exame dos fatos e das provas acostadas aos autos, bem como das disposições contratuais, fica impedido o Superior Tribunal de Justiça de infirmar o posicionamento adotado pela instância ordinária, pois seria preciso o revolvimento fático-probatório e a análise contratual, providências vedadas pelas Súmulas 5 e 7/STJ.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp 1836337/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/12/2019, DJe 05/12/2019)

[11] AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALIMENTOS E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. PEDIDO DE DEFERIMENTO DO CONVÍVIO DA CRIANÇA COM A MÃE PARA O PERÍODO COVID-19, NA RESIDÊNCIA DA AVÓ MATERNA. DESCABIMENTO. VISITAÇÃO MATERNA. CABÍVEL. Descabe o pedido de deferimento do convívio da criança com a mãe, na residência da avó materna, para o período da Pandemia COVID-19, uma vez que a guarda é mantida pelo genitor, mormente porque a agravante teria informado que ficaria até a Páscoa na cidade de POA, ainda que informe suspensão de suas atividades no período da Pandemia. Contudo, a fim de preservar a necessária convivência entre mãe e a filha, deve ser regularizada a visitação materna. Cabível a pretensão de visitação, não obstante o evento COVID 19, uma vez que a mãe certamente empreenderá todos cuidados que a etiqueta médica recomenda para preservar a saúde da criança. Devida a adequada convivência da mãe e filha, de forma pessoal e não somente virtual para o período do COVID-19, já que a mãe permanecerá neste período na cidade de residência da criança. Precedentes do TJRS. Agravo de instrumento parcialmente provido.(Agravo de Instrumento, Nº 70084139260, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 15-04-2020)

[12] AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DISCUSSÃO ACERCA DO BINÔMIO ALIMENTAR. DESCABIMENTO. PRISÃO CIVIL. CABIMENTO. POSSIBILIDADE EXCEPCIONAL DE CUMPRIMENTO EM REGIME DOMICILIAR. PANDEMIA. COVID-19. ART. 6º DA RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020, EM 17 DE MARÇO DE 2020, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Consoante entendimento jurisprudencial, em processo de execução de alimentos, descabe a discussão acerca do binômio necessidade-possibilidade, devendo essa questão ser apreciada em demanda própria - ação revisional ou ação exoneratória de alimentos -, em processo de conhecimento. Caso em que a cobrança está amparada em título executivo líquido, certo e exigível, bem como foram observadas as formalidades legais. Por outro lado, não demonstrado pelo executado fato novo, superveniente, grave e excepcional, que justifique o inadimplemento momentâneo, involuntário e absoluto do encargo alimentar. Dessa forma, preenchidos os requisitos, cabível o decreto de prisão civil, nos termos do art. 528, § 7º, do CPC. Contudo, em razão da pandemia causada pela COVID-19, excepcionalmente, fica autorizado o cumprimento da prisão civil em regime domiciliar. Precedente do STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70083031377, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Afif Jorge Simões Neto, Julgado em: 28-04-2020)

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Dr Avelino Alexandre Collet - manifestação sobre o livro IARGS 93 anos



Comentário do Dr Avelino Alexandre Collet, vice-presidente do IARGS

Sob o Título “IARGS NOVENTA E TRÊS ANOS” foi lançado, em fins de 2019, um Livro elaborado com execução rigorosa e excepcional maestria. Sim, um Livro de esmerada autenticidade que resgata uma História primorosa, impregnada de acontecimentos célebres, de festejados personagens, de ocorrências que enaltecem, soberanamente, nossa mui apreciada Instituição, digna sob todos os títulos. 

Por que o IARGS foi grande? Porque seus associados foram grandes; e essa saga de grandeza continua, hoje, inabalável, nos mesmos e engrandecidos propósitos que asseguram a perenidade do consagrado Instituto. 

A criação desse fecundo manancial, composto pelo mencionado Livro, revela por mais de nove décadas, realizações memoráveis e eventos amplamente reconhecidos; e tudo isso, deve-se à atual Presidente Sulamita Santos Cabral e à sua valorosa equipe, tomadas de puro dinamismo e fiadoras de múltiplas contribuições ao Direito, à Cultura, ao âmbito Social, ao Rio Grande e mesmo ao Brasil. 

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Videopalestras – Grupo de Estudos Temas Jurídicos Atuais


1-) Videopalestra da Diretora do IARGS, Drª Maria Isabel Pereira da Costa

Data: 14 de maio de 2020

Tema: Enfrentamento à pandemia de Coronavírus, Covid-19, pelo Governo Federal, mediante a assistência social e a Previdência Social



2-) Videopalestra da vice-presidente do IARGS, Drª Lucia Kopittke

Data: 14 de maio de 2020

Tema: As eleições de 2020 sob o foco da pandemia

Link do Canal do Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=gQPdCkezRfc&t=240s

https://www.youtube.com/watch?v=gQPdCkezRfc&t=240s


3-) Videopalestra da Diretora Dra Maria Izabel de Freitas Beck, Coordenadora do Grupo Temas Jurídicos Atuais

Data: 11 de junho de 2020

Tema: As locações urbanas em tempo de pandemia

Link: https://www.youtube.com/watch?v=O15KDtyFmFc&t=7s


4-) Videopalestra do Dr Diogo Rosa Souza, Membro da Comissão de Igualdade Racial d OAB/RS

Data: 25 de junho de 2020

Tema: Racismo e violência policial no Brasil

Link: https://www.youtube.com/watch?v=W4brcDB8OOw&t=25s

 

5-) Videopalestra do Desembargador Leoberto Brancher

Data: 09 de julho de 2020

Tema: Se a Justiça Restaurativa é uma resposta, ela responde a quê?

Link: https://www.youtube.com/watch?v=9MFhIcuB_rY&t=5s


6-) Videopalestra do Desembargador Marco Aurélio Moreira Costa de Oliveira, diretor do Departamento de Direito Penal do IARGS

Data: 23 de julho de 2020

Tema: Cinco Grandezas Fundamentais do Direito Penal

Link: https://www.youtube.com/watch?v=vi5GjvEh81w


7-) Videopalestra do Dr Alexandre Schumacher Triches, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP)

Data: 06 de agosto de 2020

Tema: A Advocacia Previdenciária no contexto pós-reforma

Link: https://www.youtube.com/watch?v=kwK8PIF0Irg


8-) Videopalestra do Dr Filipe Pereira Mallmann, Conselheiro seccional da OAB-RS, presidente da Comissão de Direito da Tecnologia e Inovação.

Data: 20 de agosto de 2020

Tema: Escritório Digital do CNJ e da OAB - Uma conquista para a advocacia

Link: https://www.youtube.com/watch?v=fw1rHeMHegs


9-) Videopalestra da Dra Vanêsca Buzelato Prestes, procuradora de Porto Alegre e professora de Direito Ambiental.

Data: 03 de setembro de 2020

Tema: Direito à Cidade em tempos de pandemia

Link: https://www.youtube.com/watch?v=7PN0lcOV-QU&ab_channel=IARGS-InstitutodosAdvogadosdoRS


10-) Videopalestra do Dr Raimar Machado, Diretor do Departamento de Direito do Trabalho do IARGS, Membro Titular da Academia Brasileira do Direito do Trabalho, Presidente da Academia Sul-Rio-Grandense do Direito do Trabalho, Doutor em Direito do Trabalho pela USP, Pós Doutor pela Universidade de Roma-TRE

Data: 25 de setembro de 2020

Tema: Novos Rumos do Direito do Trabalho Brasileiro

Link: https://www.youtube.com/watch?v=mOJpWETNq1c&t=76s&ab_channel=IARGS-InstitutodosAdvogadosdoRS


11-) Videopalestra da Dra Beatriz Peruffo, Conselheira Federal da OAB 

Data: 08 de outubro de 2020

Tema: Desafios da mulher advogada líder e empreendedora

Link: https://www.youtube.com/watch?v=jEwc9_pQKq4&t=3s&ab_channel=IARGS-InstitutodosAdvogadosdoRS


12-) Videopalestra do Dr Paulo Roberto Moreira de Oliveira, advogado e presidente da Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB/RS

Data: 12 de outubro de 2020

Tema: O Direito Eleitoral e o Princípio da Igualdade

Link: https://www.youtube.com/watch?v=d_f0vQeKVwA&t=121s&ab_channel=IARGS-InstitutodosAdvogadosdoRS

terça-feira, 12 de maio de 2020

A Justiça e a Pandemia


Artigo do Desembargador do Tribunal de Justiça do RS, Francisco José Moesch, coordenador do Grupo de Estudos de Direito Tributário do IARGS.

“O enfraquecimento da percepção global conduz ao enfraquecimento da responsabilidade (cada qual tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada), assim como ao enfraquecimento da solidariedade (cada qual não mais sente os vínculos com seus concidadãos.”1

É notória a extraordinária situação vivenciada em todo o mundo, em decorrência da pandemia instaurada pelo COVID-19, o que, como amplamente divulgado pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS), impõe a adoção de medidas preventivas contra a expansão da contaminação pelas autoridades competentes. Penso ser possível dizer, que desde a Segunda Guerra Mundial, este é o maior desafio enfrentado pela humanidade.

Estamos vivendo tempos difíceis para a saúde, principalmente, mas também na economia, para a manutenção dos empregos, das empresas e dos próprios recursos públicos, havendo um acirramento da desigualdade social. De igual forma, incontroverso, que as medidas de distanciamento social, convencionado “isolamento social”, são fundamentais para que seja controlado o avanço da pandemia instaurada, evitando-se um colapso no sistema de saúde e, a consequente, mortandade de pessoas infectadas, como se tem notícias em vários países.

Por outro lado, precipitou-se o trabalho digital, tanto na esfera privada quanto na pública, o que é de suma importância para a continuidade do desenvolvimento das atividades nos mais variados campos. Contudo, não podemos perder a centralidade no valor “da pessoa humana”.

A crise instalada, também ocasionou a restauração da ideia da importância da figura do Estado, como garantidor do bem comum para a toda a sociedade, pois a adoção de políticas públicas para o enfrentamento da pandemia, é essencial. É necessário que haja uma visão comum e harmônica no enfrentamento dessa crise, não só por parte das autoridades públicas, mas também, por parte da população em geral.

No âmbito do Poder Judiciário, desde o início, foram adotadas medidas para garantir a continuidade do trabalho, através dos recursos digitais disponíveis, implantando o trabalho remoto para magistrados, servidores e estagiários, o que vem produzindo números muito expressivos neste período de pandemia. Incontáveis são as decisões judiciais que têm mantido as medidas governamentais adotadas, seja no atendimento parcial ou total dos interesses envolvidos e, junto a isso, o desafio de acompanhar a intensa produção legislativa, através de leis, medidas provisórias, decretos, resoluções, portarias, protocolos e outras.

Entretanto, está comprovado, que mais do que nunca precisamos ouvir à Ciência, as posições técnicas dos Órgãos de Saúde, que são quem mais efetivamente possuem condições de orientar as ações e medidas adequadas para o combate ao COVID-

19. Assim, a atividade desempenhada pelo Tribunal de Justiça do Estado é muito importante para garantir a harmonia dos poderes e a paz social, devendo as decisões dos Juízes, se pautarem na razoabilidade, ao respeito à Ciência, na prudência e responsabilidade, tendo em vista que seus efeitos podem ser muito graves.

Como reconhecido pelas autoridades sanitárias, há muita incerteza quanto à pandemia, de modo que o risco vem sendo avaliado periodicamente e, como consequência, as próprias medidas adotadas são revistas. Essa circunstância também atinge o Poder Judiciário, por isso a preocupação constante com uma análise ponderada, com uso da razão e da lógica, afastando-se a subjetividade nas decisões.

Por fim, não há como deixar de mencionar, que diante de todas as dificuldades que estão sendo experimentadas, a sociedade vem resgatando o sentimento de solidariedade, pois sem ele, o cenário ainda estaria mais apreensivo. Dia a dia, são noticiados atos solidários praticados pela sociedade civil, por empresas do agronegócio, da indústria, do comércio, de prestação de serviços em geral e o pelo Poder Público. Tudo isso, nos dá esperança para acreditar que tudo vai passar e que quando isso acontecer, estaremos mais fortalecidos em nossa “humanidade”, com todo o alcance, que ela possui.


1 MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 6 ed. São Paulo/Brasília: Cortez/UNESCO, 2002, p. 41-41.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Dr Marco Aurélio Moreira de Oliveira: manifestação sobre o livro IARGS 93 anos



Manifestação do Dr Marco Aurélio Moreira de Oliveira, integrante do Conselho Superior do IARGS

Cara Dra Sulamita Santos Cabral,

Depois de dedicar 46 anos de atividade na congregação de juristas de todos os matizes, denominado Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, juntamente com inúmeros colegas que também a ele se somaram por muitos anos, tive o prazer de encontrar em sua presidência vultos inesquecíveis que já nos deixaram e, agora, modernamente, juristas como Silvino Joaquim Lopes Neto, Alice Grecchi e a nossa atual e incomparável Sulamita dos Santos Cabral. Aqui, o Instituto ganhou novos rumos e seu crescimento, principalmente institucional e intelectual, demonstra que a nossa grei está cada vez mais pujante e em muito contribuindo para o engrandecimento da ciência do direito, da vocação para o fortalecimento do humanismo e luta na conquista do ideal da justiça. O livro IARGS 93 ANOS demonstra, historicamente, seu crescimento e grande envergadura associativa da instituição, sempre defendendo a importância da advocacia e de seus profissionais, bem como, em suma, do direito e da justiça. Seu caminho evolutivo fez com que cinquenta outros defensores das ciências jurídicas, professores e juristas, em geral, buscassem se congregar ao Instituto que os recebeu de braços abertos. Tudo isso demonstra a atual estrutura no campo do direito e das ciências sociais. 

Que dizer da autora dos “93 Anos” que ora sai a lume! Sulamita dos Santos Cabral não é somente a atual Presidente do IARGS e autora da histórica obra. É uma lutadora ímpar e indispensável a nossa instituição. Nosso crescimento como entidade traz o “fermento” chamado Sulamita dos Santos Cabral. É ela quem nos congrega cada vez mais, que nos incentiva, que aponta o crescimento indiscutível do Instituto. Nunca se contará a história do IARGS sem exaltar a figura permanente de Sulamita dos Santos Cabral.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Que pode o Direito fazer pelo controle do coronavírus?


Artigo do Sylvio Roberto Corrêa de Borba, associado do IARGS, MBA

Membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Médico. Advogado. Procurador (aposentado) do Município de Porto Alegre


Quando, em 1898, Emílio Ribas logrou controlar sucessivos surtos de febre amarela em Campinas, à custa exclusiva de isolamento dos doentes e do emprego de medidas clássicas de higiene – limpeza da cidade e controle da pureza de suas águas – sequer seus vetores e sua causa, o vírus amarílico, tinham sido descobertos. 

Hoje, embora distinta a ameaça e conhecido o agente etiológico, o isolamento, tanto horizontal quanto dos doentes, segue sendo a principal medida para seu controle. Sem meios de rápido diagnóstico, sem tratamento específico, sem vacinas disponíveis, o coronavírus tem limitado nossas ações. Espera-se, com isto, que um também limitado sistema de saúde possa promover, ao longo do tempo, o atendimento do maior número possível de indivíduos. Não esqueçamos, contudo, que o Brasil mantém, eficazmente, o maior sistema gratuito de saúde pública do mundo. 

Cabe ao Poder Executivo, com emprego dos serviços públicos e apoio dos profissionais médicos, o controle da pandemia e a adoção de medidas que, científica e paulatinamente, promovam o retorno de todas as atividades ao normal. Em tudo, neste âmbito, cabem dúvidas; sustentam alguns que o modo de vida dos seres humanos restou agudamente alterado, e jamais voltará a ser o mesmo. Dever-nos-íamos, pois, preparar todos para um novo “normal”. 

Há que apreciar com cautela tais palavras, que já estão sendo proferidas, sob variadas tônicas e diversos formatos, em alguns pontos do país. Não estamos em guerra. O Estado brasileiro alinhou, em 1988, seus fundamentos, seus valores e seus objetivos primaciais. Normas constitucionais definem direitos e deveres, individuais e coletivos, inclusive ante calamidades. O povo brasileiro, em forma própria, as instituiu, as escolheu, pensou a seu respeito. Devem ser seguidas, e não contestadas por normas inferiores, traçadas de afogadilho, cá e acolá, sob a alegação de que a urgência do momento as justifica. Mesmo quem creia que a situação atual é de gravidade análoga à guerra não terá respaldo para a produção de regramentos que se afastem da Carta porque, já não fosse o evidente descabimento deste fim, a Constituição não pode ser emendada em períodos excepcionais, como durante estado de defesa, estado de sítio, ou intervenção federal.[1] Se a situação é análoga à de guerra, como poderia, então, vir a Carta ser substituída por regras novas, inferiores, às vezes adrede preparadas para a contornar? Não importa que cargo ocupem, ou a que aspirem, tais vozes. Afinal, a manutenção da ordem pública e/ou da paz social, quando atingidas por calamidade natural de grandes proporções, constitui um dos supostos do estado de defesa (que não foi decretado), o que mais faz ver da necessidade de respeitar, e não de se antagonizar a Lei Maior, neste momento. 

Ajunte-se, porém, e para obtenção do equilíbrio, que ante seus cidadãos o Estado não se faz onipotente. A autoridade pública não pode fazer tudo quanto queira; só pode fazer aquilo que a Constituição prevê. Nem a urgência do momento, nem a descentralização do poder, própria das federações e necessária num país de tamanha dimensão, farão com que se extrapolem os permissivos constitucionais. A saúde não é o único bem social de relevância. É um dos mais importantes mas, ainda assim, não o único. Esforços devem ser postos na proteção do todo. Vem daí que necessidades serão atendidas, sob o pálio da legalidade constitucional, sempre ao abrigo da proporcionalidade. Pedra de toque das intervenções do poder público, a proporcionalidade é o instrumento que permitirá criar soluções constitucionais próprias para cada qual das distintas situações em que se encontram as comunidades espalhadas pelo país. Com seu emprego, todos receberão atenção, a saúde será resguardada na máxima extensão possível e a unidade, conservada. 

Se o momento exige ações prontas, e descentralizadas, mister que sejam equilibradas. Legem habemus, tratemos de respeitá-la. Nós, profissionais do Direito, saberemos controlar eventuais abusos.



[1] Cf. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 60, § 1.º.