A presidente da Sociedade de Psicologia do RS, a psicóloga Sonia Martins Sebenelo, foi a palestrante de hoje, dia 02/05, no Grupo de Estudos de Direito de Família do IARGS, sobre o tema Infância e Juventude - Desamparo, Vulnerabilidade e Depressão, sendo recepcionada pela presidente do instituto, Sulamita Santos Cabral.
No entendimento de Sonia, falar sobre infância e adolescência, nos dias atuais, é se referir a um cenário de crise. "A crise de referências e seus efeitos na subjetividade contemporânea geram uma angústia difusa e, paralelamente, uma oportunidade de reflexão. Segundo ela, os múltiplos núcleos – familiar - social - profissional - governos e nações - se defrontam com processos de transformações sociais e culturais.
Explicou que as gerações anteriores foram educadas com a expectativa de que o mundo teria um sentido e um futuro. “O futuro chegou trazendo consigo o fim das certezas. A humanidade atual é confrontada com a experiência do naufrágio do modelo esperançoso da Modernidade e mergulha em um sentimento subjetivo de angustiante dramaticidade e desamparo”, afirmou.
Sônia referiu dois nomes da psicanálise europeia, Jean Pierre Lebrun e Charles Melman, no que se refere à abordagem das angústias e dilemas do homem atual diante dos desafios da pós-modernidade. Informou que Lebrun enfatiza a frequência maior de pais que enfrentam a dificuldade de dizer não aos filhos. “O processo de humanização começa pelo entendimento de que jamais haverá a satisfação completa”, observou, lembrando que, para Lebrun, essa situação representa a “mutação do laço social”.
Ela lembrou que até há pouco tempo, a sociedade era hierarquizada, havendo um lugar que podia ser ocupado por Deus, pelo Papa, pelo pai ou pelo chefe. Hoje, disse, esta organização social perdeu a sua legitimidade, e a principal característica dessa mutação é o fim da transcendência simbólica e religiosa, tendo como resultado a perda de referências e, como decorrência, os desajustes nas relações sociais.
Já Melman, destacou, aborda o desaparecimento de limites, os excessos do imaginário consumista, a busca do prazer a qualquer preço, onde a satisfação se tornou uma norma social. “Essa aspiração à satisfação imediata fragiliza nosso psiquismo, sofremos de excesso de desejo, somos incapazes de aceitar uma frustração ou um momento negativo”, acentuou salientando que o perfil de nossas sociedades, segundo Melman, é assustador, com crise de autoridade paterna, depressão endêmica, suicídios, consumo de drogas, família desestruturada e vulnerabilidade de crianças e adolescentes.
No entendimento da psicóloga, a ideologia capitalista, que tem seu marco no individualismo e na competitividade, fez desaparecer a solidariedade e a colaboração entre as pessoas, daí, o sentimento devastador de vazio. “As novas atitudes são a apatia, a indiferença, a deserção. Uma nova organização da personalidade, na qual reina o narcisismo em uma nova modalidade das relações sociais”, evidenciou, assinalando que existe, atualmente, uma crise de valores, de princípios, de moral e ética que pode provocar “desintegrações ou regressões”.
Segundo ela, as gerações de adultos sobreviventes da crise que se instalou de forma palpável, após a fragmentação dos diferentes domínios da vida social, são, hoje, os pais, os governantes, os gestores da vida social, “ou seja, os modelos de identificação da nossa juventude, momento em que devemos nos indagar sobre como estará sendo desempenhado esse importante papel”.
Indaga, ainda, se a escola, a família, a igreja e o Estado, como principais instituições da vida em sociedade, estarão capacitadas para exercerem continência, capacidade dotada de funções nobres como receber o primitivo, as ansiedades, e devolvê-las transformadas, frente a tudo o que ameaça a juventude: drogadição, acidentes de trânsito, suicídio, gravidez na adolescência, violência urbana e intra-familiar.
“A juventude atravessa a adolescência, entre o impulso ao desprendimento e as defesas desenvolvidas frente ao temor da perda do conhecido. E, num mundo empobrecido de vínculos, repleto de adultos sobreviventes do naufrágio da ordem e do progresso, o uso das drogas, assim como outros sintomas, aparecem para o jovem como uma nova ideologia. Ele fantasia que venceu a morte e a limitação e assim cria um falso self. Com uma tragada, picada ou cheirada, ele tem o poder, efêmero que afasta a realidade intolerável”, observou.
A psicóloga acentuou que a luta contra a demanda do vício e do crime negócio tem início na família, na escola, na igreja, nos clubes, no âmbito dos profissionais relacionados às redes de apoio e pesquisa das questões sobre infância e juventude. “Não basta apenas dar palestras, mas mudar nosso modo de viver, oferecendo coerência, confiança nas instituições, confiança no mundo. E onde está esta confiança perdida no confronto com a fragmentação da utopia moderna?”, questionou.
Na sua avaliação, a prevenção de hoje deve ensinar a ter medo, a reconstruir as motivações, das formas seguras de pertencimento e inclusão. “Temos que aprender a ultrapassar a contradição, aceitando-a não como erro, mas como paradoxo, como complexidade que, ao invés de reduzir as possibilidades, oferece e amplia o universo de alternativas. “Dentro desta perspectiva de investigar as formas de negligência social com a infância e a juventude, ancoradas talvez no grande desamparo da humanidade contemporânea, surge a necessidade de revermos nossa conduta”, esclareceu.
No entendimento de Sonia, é necessário parar, refletir e identificar por que a juventude, “fase mais exuberante da vida”, encontra-se tão vulnerável à depressão e ao suicídio. “Que fatores estariam influindo na ausência de satisfação e desinteresse dos jovens que apresentam esta sintomatogia”, indagou.
Atualmente, disse, não se concebe a vida como um percurso de risco, que inclui altos e baixos, incertezas, acertos, dúvida, sorte, acaso. “Exigimos que a vida seja um empreendimento, cujos resultados devam ser assegurados desde os primeiros anos – daí o surgimento de uma geração de crianças de agenda cheia de atividades preparatórias, para a futura competição”, acentuou, acrescentando que, dessa forma, elas tendem a não saber conviver, negociar, trocar, ganhar, perder, ter empatia, solidariedade. “Serão incapazes de enfrentar as frustrações que a vida se encarrega de nos apresentar”, assegurou.
E, como efeito “devastador” deste novo estado da cultura, a psicóloga destacou que a depressão surge como sintoma social contemporâneo. Diante dos alertas sobre o jogo Baleia Azul e o seriado “13 Reasons Why” com incitações pelas redes sociais de atitudes suicidas, Sonia disse que devem ser considerados os sinais de alerta frente à possível vulnerabilidade de crianças e adolescentes: “É importante a proximidade da família, dos pais, de cuidadores, de educadores, de profissionais da saúde, do Direito e todos aqueles que tenham contato com crianças e adolescentes, assegurando um espaço de observação quanto a possíveis sinais que apresentem risco.".
Ela adverte que devem ser criados estudos e comportamentos visando à abordagem do problema. No entanto, acrescentou, a potência dos vínculos e a proximidade afetiva oferecem a segurança que potencializa a vida. Para tanto, enfatiza a necessidade de revisitarmos nossos vínculos e a qualidade de nossas relações.
Sonia Sebenelo é especialista em Psicologia Clínica, Psicoterapeuta individual, de casais e família, e Mestre em Ciência Sociais.
Sonia Sebenelo é especialista em Psicologia Clínica, Psicoterapeuta individual, de casais e família, e Mestre em Ciência Sociais.
Terezinha Tarcitano
Assessora de Imprensa
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