Para fazer o encerramento das reuniões do Grupo de Estudos de Direito de Família do IARGS do ano, o advogado Fernando Malheiros Filho palestrou hoje, dia 27/11, sobre o tema “Visão prospectiva socioantropológica da família, do casamento e da união estável. Considerações para o futuro”. Ele foi recepcionado pela diretora-adjunta do Grupo de Estudos de Direito de Família, Dra Liane Bestetti, e pela diretora do instituto, Dra Ana Lúcia Piccoli, no quarto andar do IARGS.
Inicialmente, o Dr Malheiros Filho referiu que cresceu ouvindo que a família não passaria de um arranjo temporário no processo civilizatório. O ideário de inspiração marxista, disse, apontava para uma instituição de viés burguês, que seria substituída por outros modelos de interação social.
Na ocasião, lembrou que era prevista a abolição da família pelo filósofo Karl Marx, não sendo consumada a profecia. Ao contrário disso, acentuou, a família se consolidou ao longo do tempo com alguns ajustes.
De acordo com o advogado, vive-se, hoje em dia, um período de consolidação dos valores judaico-cristãos ocidentais a partir do panorama político-social vigentes. Dessa forma, constata que os valores conservadores não eram necessariamente ruins.
Nessa linha de pensamento, destacou o reconhecimento das relações sem vínculo formal (o concubinato ou união estável) e a igualdade entre homem e mulher, instituída pelo Estatuto da Mulher Casada de 1962 (Lei nº 4.121), passando a não ser mais exigida a virgindade pré-nupcial da mulher.
Mais recentemente, relatou, além do novo Código Civil, foram reconhecidas as relações homossexuais, a guarda compartilhada, além das possibilidades da fecundação artificial. Todavia, entende que tais mudanças não impactaram tanto quanto as alterações anteriores: emancipação da mulher e união estável com revisão conceitual do tratamento dado ao filho.
“O casamento ou união estável entre pessoas do mesmo sexo, além de não guardar a importância estatística do concubinato heterossexual, nada fez senão aderir ao sistema já existente", informou, lembrando que sempre existiram relações homossexuais; apenas não eram formalizadas.
No seu entender, muito mais diverso foi o processo de equiparação, social e jurídica, entre homem e mulher, de graves e relevantes alterações no comportamento social e familiar, depois juridicamente admitido pela legislação. “Os efeitos não foram revolucionários. Não houve ruptura do sistema, mas se verificaram alterações significativas na visão de mundo, no comportamento, nas profissões, na economia, nas relações sociais e, também, na sexualidade”, evidenciou.
Para o advogado, a guarda compartilha pura quase nunca é implementada nos processos de Direito de Família, sem significativa alteração judicial, e gerando apenas maior número de litígios . A solução, disse, conforme constata no exame de casos, é a conservadora: “mantém-se o filho onde está, ou se confere a guarda àquele flagrantemente mais apto”.
Nesse particular, avalia a existência de alguma mobilidade familiar. Referiu que os comportamentos, masculinos e femininos, confundiram-se, há mais de 30 anos, quando homens passaram a realizar tarefas antes femininas (como cuidar dos filhos) e mulheres passaram a desempenhar papéis masculinos no mercado de trabalho a partir da emancipação feminina nos anos 50.
Dessa forma, pondera que nem as vantagens da inseminação artificial alteraram de alguma forma o quadro social-familiar, “apenas permitiram que casais sem filhos biológicos pudessem tê-los”. Atentou o advogado que, da mesma forma, o fenômeno da barriga de aluguel e fecundação in vitro não se confirmaram, ficando apenas na especulação.
Na oportunidade, lembrou que o divórcio completou 40 anos em 2017, tendo sido implantado por emenda constitucional (depois a Lei regulamentadora, nº 6.515), no ano de 1977.
Em relação ao chamado de poliamor no meio jurídico, distinguiu que não se tem notícia de que tal arranjo tenha sido implementado com êxito. “Manter um marido ou uma mulher já é tarefa além de nossas forças, imagine-se muitos”, brincou.
Com a exceção de alterações secundárias, explanou que todas as que realmente alteraram o cenário no qual se desenrola a trama familiar foram trazidas no período após a Segunda Guerra.
Na atualidade, ressaltou a existência de uma onda conservadora em todos os sentidos no âmbito familiar “para a fortificação dos valores que nutrem e alicerçam a família tradicional, da qual nunca nos separamos e nem há indício de que venhamos fazê-lo”.
Na avaliação do advogado, é possível antecipar que as novas mudanças tecnológicas produzirão alterações no comportamento pessoal em proporções talvez até maiores do que trouxe a hecatombe de 1939-1945, quando o esforço de guerra atingiu às famílias e as mulheres ocuparam o lugar dos homens que foram para o “front”.
“Todas as tecnologias que nos esperam terão enorme impacto na vida cotidiana, maior do que o motor a combustão, a eletricidade, o telefone, a televisão ou a penicilina, cujas consequências foram imensas”, enfatizou, advertindo a possibilidade de existir mais tempo ocioso enquanto as máquinas farão aquilo que antes era feito pelas mãos humanas. “Boa parte do mundo como hoje conhecemos será transferido para os bytes da digitalização, inclusive os processos”, preveniu.
Nesse contexto, acredita que a tendência será fazer audiências por videoconferência e, provavelmente, sequer será necessário sair de casa para trabalhar. Quais serão as consequências dessas graves alterações no âmbito familiar?”, questionou.
O desafio que se aproxima, disse, talvez, represente o mais complexo problema enfrentado pela civilização e pela família. “Pela primeira vez, o ser humano não estará diante da necessidade de sobrevivência ou de revoluções políticas. Deverá se voltar para si mesmo, e não lhe faltará tempo para isso”, concluiu.
Terezinha Tarcitano
Assessora de Imprensa
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