No Grupo de Estudos de Direito de Família do IARGS de hoje, 25/06, a advogada Daniela Raad foi a palestrante convidada, que escolheu o tema “A Autonomia Privada no Direito Sucessório”, mesmo título de seu livro que foi tese de Mestrado pela UFRGS. Ela foi recepcionada pelas diretoras do IARGS, Liane Bestetti e Ana Lúcia Piccoli.
A advogada partiu da premissa que a realização do particular projeto de vida do indivíduo é prerrogativa inerente à concepção de vida digna. Em suas várias possibilidades, destacou que o aspecto patrimonial representa uma via repleta de oportunidades para a satisfação do projeto pessoal de vida que cada indivíduo carrega em si.
Para tanto, fez uma análise dos preceitos civis-constitucionais, desde sua base conceitual até sua atual aplicação no mundo factível. O Direito, por meio de suas normas e valores, disse, assegura ao indivíduo uma esfera de liberdade que julga ser essencial para que a vivência do ser humano seja correspondente ao princípio da dignidade.
No entanto, destacou que é no terreno familiar que a convergência de escolhas individuais atinge seu grau máximo, capaz de gerar satisfação pessoal e razão essencial: “é dentro do núcleo familiar que o indivíduo se abastece e projeta seus passos nos demais campos existenciais – e isso se reflete no próprio texto constitucional, que reconhece a família como base da sociedade”.
Baseada nesta linha de pensamento, enfatizou que a liberdade de autodeterminação tem vias extrapatrimoniais e patrimoniais. No seu entendimento, no âmbito econômico da organização familiar, a projeção de vida se inicia a partir do vínculo afetivo com o matrimônio, e as opções acolhidas pelos indivíduos quando de sua união.
Neste sentido, apresentou duas sugestões: uma análise sobre o espaço de liberdade de auto disposição dos indivíduos acerca das questões econômicas no âmbito familiar, e até que medida o Estado pode – ou deve – intervir nessa esfera; e uma reflexão crítica da eficácia do pacto antenupcial no âmbito sucessório. Neste contexto, inclusive, examinou o caso da eleição do regime da separação convencional de bens pelos consortes, que pactuam a não comunicação de patrimônio entre si.
Para exemplificar, destacou que, quando dissolvida a sociedade conjugal em vida, o contrato matrimonial tem sua eficácia assegurada, de forma que a incomunicabilidade patrimonial prevalece, tanto na administração de forma independente dos bens particulares, como após o divórcio. Salientou, contudo, o que se verifica quando a sociedade conjugal se desfaz pelo falecimento de um dos cônjuges: se impõe a comunicação de patrimônio, mesmo contra a expressa intenção das partes.
No plano fático, observou a ineficácia do pacto antenupcial que elege o regime de separação de bens no regime sucessório, o que, segundo ela, causa grande divergência doutrinária e jurisprudencial.
Referente ao conceito de autonomia privada como representação dos interesses particulares dos indivíduos, esclareceu que tal poder de autorregulação das pessoas é balizado pelo Poder Público nas hipóteses de afronta a ordem pública e aos bons costumes. “A autonomia privada está intimamente conectada aos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade”, afirmou, acrescentando que, por meio de seu exercício, as pessoas recebem a prerrogativa para negociar e contratar entre si de forma privada, gerando efeitos jurídicos.
Lembrando que a Constituição Federal estabelece a família como base da sociedade, conferindo aos seus membros autonomia em face de terceiros e do próprio Estado para a constituição de seu núcleo e livre planejamento, a Dra. Daniela analisou o papel do Estado nessa relação, questionando o reconhecimento da capacidade de autodeterminação dos indivíduos, condizente a sua natureza e espírito livre.
Considerada ferramenta de realização da autonomia privada no Direito de Família, por viabilizar a escolha do regime de bens, informou que o pacto antenupcial e suas disposições são objeto de exame: “É através do exercício da liberdade de escolha do regramento patrimonial que regerá o matrimônio que os indivíduos são capazes de desenvolver sua organização econômica”.
Concernente à natureza do pacto antenupcial, abordou a chamada “Contratualização do Direito de Família”, teoria que trabalha o reconhecimento de contratos familiares – dentre os quais se encontra o pacto antenupcial. Nessa perspectiva, observou a maior capacidade dos indivíduos de resolverem conflitos e questões de ordem particular de forma autônoma entre si, como é o caso da opção pelo regime de bens.
Sobre o regime da separação convencional de bens e seu papel dentro do sistema jurídico brasileiro, fez um breve histórico do regramento até o advento do Código Civil de 2002. “Trata-se da implicação inerente à essência do regime a incomunicabilidade de bens ao matrimônio, caracterizando uma opção expressa pelos consortes a independência econômica”, salientou.
Ainda sobre o conceito do regime da separação convencional de bens, relevou que o casamento não significa a completa fusão de identidades entre os cônjuges, mas uma relação na qual subsiste a identidade particular das partes, principalmente sobre a organização econômica. “Se, no entanto, o regime da separação convencional representa a absoluta incomunicabilidade patrimonial entre os consortes, cumpre analisar se a eficácia do contrato matrimonial prevalece tanto em vida, como post mortem”.
Quando da vigência do Código Civil de 1916, lembrou que os efeitos do pacto antenupcial – de regime da separação convencional - eram assegurados em sua completude: dissolvida a sociedade conjugal pelo divórcio ou pela morte, os bens permaneciam com o respectivo proprietário ou em sua linha sucessória. Com o advento do Código Civil contemporâneo, observou, houve a realocação da posição do consorte dentro da ordem sucessória como herdeiro necessário.
Na avaliação da advogada, os efeitos do Direito de Família inferem diretamente no plano sucessório, o que demanda uma interpretação unitária e sistemática de todo o ordenamento jurídico. “Sedento por espaço de autodeterminação, por sua natureza, o indivíduo busca saídas para fazer sua vontade expressada em vida gerar os efeitos pretendidos, também após a morte”, advertiu.
Em seguida, avaliou a condição de herdeiro necessário – se é absoluta e universal, ou se há espaço para a sua relativização. Havendo a possibilidade de flexibilizar a norma, referiu a hipótese de se afastar a posição de herdeiro necessário do consorte sobrevivente pelo reconhecimento da força negocial como fonte de Direito.
Para finalizar, sinalizou seu propósito em contribuir, tanto academicamente, a fim de fomentar o debate e desenvolvimento de soluções à problemática apresentada, como também na seara prática dos que buscam saídas jurídicas legítimas para assegurar a eficácia do planejamento patrimonial.
Terezinha Tarcitano
Assessora de Imprensa
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