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terça-feira, 30 de junho de 2020

A pandemia e o adiamento das eleições de 2020



Artigo da Desembargadora Elaine Harzheim Macedo, ex-presidente do TRE, sobre "A pandemia e o adiamento das eleições de 2020".

Desde o início da pandemia do coronavírus aflorar no Brasil, o debate sobre a manutenção das datas das eleições municipais ou seu adiamento passou a ser objeto de preocupação e manifestação, tanto no meio político como no Poder Judiciário e no âmbito da advocacia. Em princípio, os eleitores – destinatários maiores das regras eleitorais – pouco se preocuparam com o tema, até por seu distanciamento no tempo. 

Uma aparente e inicial apatia no plano das ações por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário até se justificava: total desconhecimento do que exatamente estava para vir tanto quanto à extensão da crise, número de vítimas e sua duração, a afastar decisões precipitadas que poderiam ter que ser revistas a qualquer tempo, estimulando a insegurança sobre assunto de tamanha relevância que diz diretamente com a democracia brasileira. 

Recentemente, o Superior Tribunal Eleitoral, através de seu presidente e em reunião com as duas casas legislativas, tomou posição a favor da realização das eleições neste ano, mas favorável à transferência de datas, garantindo todo um planejamento para nos limites máximos do possível tutelar a saúde e a integridade do povo brasileiro. Ou seja, deu o sinal verde que o Legislativo aguardava para tomar a inciativa, que era de sua competência: as datas das eleições são previstas na Constituição, exigindo para sua modificação Proposta de Emenda Constitucional. 

Pois bem, nos últimos dias, o Senado Federal, em dois turnos e de forma bastante tranquila, aprovou a mudança das datas das eleições municipais pela PEC 18/20 para os dias 15 e 29 de novembro, respectivamente primeiro e segundo turno das eleições, remetendo-a para a Câmara dos Deputados no dia 24 de junho último. 

O objetivo único do adiamento diz com a proteção da população em geral – eleitores, servidores da Justiça Eleitoral e de outros órgãos públicos, trabalhadores em geral que atuam no pleito, políticos e candidatos – frente à pandemia do novo coronavírus, cediço que uma das principais medidas em seu enfrentamento diz exatamente com o isolamento/distanciamento das pessoas, com vedação veemente para evitar aglomerações e, consequentemente, a temida contaminação. 

A proposta deve, pois, ser enfrentada pela Câmara dos Deputados, o que se dará nos próximos dias, onde, diferentemente do que ocorreu no Senado, não há um consenso sobre o aditamento das eleições e muito menos com as datas sugeridas. Ao que se sabe, há aqueles que pretendem manter as datas originais, primeiro e segundo domingo de outubro, os que entendem estender para dezembro a realização das eleições e, o que mais preocupa, aqueles que ressuscitam velho debate da unificação das eleições. Isso significa dizer que as eleições de 2020 não se realizariam, sendo transferidas para 2022, adotando-se eleições gerais e municipais conjuntas. 

Já tivemos, no passado (1980 e 1986), cancelamento das eleições municipais, com a dilação dos respectivos mandatos. Mas tais medidas foram tomadas quando o país via um Estado de exceção, sob a Ditadura Militar. 

No Estado de Direito tais propostas teriam que passar por um grande debate público porque afetam diretamente a estrutura tanto do Poder Executivo como do Legislativo e dos respectivos mandatos. Ora, não é em época de pandemia, com o país inteiro em quarentena, que decisões tomadas ao afogadilho, mas capazes de produzirem imenso impacto político, representem caminho democrático para alterar o status quo constitucionalmente pré-estabelecido e absorvido por nossa tradição política. Os mandatos obtidos na urna o foram por quatro anos. Sua extensão para seis anos deslegitima o seu exercício, para dizer o mínimo. Eleições unificadas para todos as esferas políticas – municipais, estaduais e federais – requer muito mais do que uma PEC emergencial, que sequer tem o papel de alterar a Constituição, sendo considerada como regramento de disposição especial e transitória valendo exclusivamente para este ano de 2020, sem qualquer reflexo nas disposições permanentes, que mantêm as datas tradicionais (primeiro e último domingo de outubro) para as eleições futuras. 

Ora, se a proposta da unificação das eleições junto à Câmara dos Deputados, objeto de mais de uma PEC e de muitas emendas, lembrando-se aqui a título de exemplo a PEC 344/2013, tramita há cerca de sete anos sem ainda encontrar um denominador comum, não pode ser agora, em sede de uma modificação de urgência, emergencial e transitória, que o tema seja ressuscitado e votado. 

Ou seja, reclama-se da Casa do Povo, assim se intitulando a Câmara dos Deputados, que enfrente o texto que lhe foi remetido pelo Senado, aperfeiçoando-o no que for possível, cientes inclusive que a Justiça Eleitoral está preparada para conduzir as eleições municipais com cuidados necessários para a segurança de todos. 

Nada impede, por certo, que o debate sobre a unificação das eleições prossiga, mas que seja feito da forma mais democrática possível, com a oitiva de todos os setores da sociedade, porque não se trata de alterações que digam respeito exclusivamente ao restrito mundo dos políticos. Voto é ouvir o povo e, portanto, ele deve ser ouvido da forma mais autêntica e transparente possível para alterações radicais e permanentes. 

Outro ponto a ser discutido com o adiamento das eleições (novembro ou dezembro, tanto faz) é o possível aumento de abstenção, por conta do medo da população com os riscos de contaminação. É uma preocupação procedente. Todavia, três breves colocações sobre isso. Primeiro, certamente o TSE já está imbuído de tomar o máximo de cautelas possíveis como já anunciado, o que merece, no mínimo, um voto de confiança a estimular que o eleitor compareça às urnas. Segundo, mesmo que o número de abstenção seja superior aos tradicionais, o que não invalida o pleito, nada impede que o Congresso Nacional venha a regular uma espécie de anistia para aqueles eleitores que, ao fim e ao cabo, não compareceram para votar, justificando-se razoavelmente, principalmente nos grupos de risco, a sua ausência. Se o Congresso não o fizer, que a Justiça Eleitoral adote orientação geral sobre isso, dando uma elasticidade maior às já comuns justificações apresentadas pelos eleitores que não cumpriram com o seu dever de votar. Por terceiro, não será esta experiência uma base para se discutir – futuramente – a obrigatoriedade do voto? Mas que essa discussão também venha em termos amplos e democráticos, com a oitiva de todos segmentos representativos da sociedade. 

Por enquanto, que as eleições municipais ocorram na paz e na segurança sanitária, mas em 2020!

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