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terça-feira, 9 de junho de 2020

Anotações sobre o Seguro e a pandemia



Artigo do advogado Geraldo Gama, diretor do Departamento de Seguros e Previdência do IARGS

Peter Bernstein, na sua recomendável obra “Desafio aos Deuses”, narra a saga da humanidade, por seus matemáticos, filósofos e demais pensadores, na heroica busca de saber o futuro, para substituir os desígnios normalmente erráticos propalados por oráculos e profetas, como única forma de perscrutar o futuro e, principalmente, os riscos a que todos estavam expostos. Graças a intelectuais como Pascal, Laplace, Fermat, Omar Khayyam, e outros, a humanidade clareou seus horizontes através da Lei das probabilidades, mãe da moderna estatística (e atuária) que permite às empresas seguradoras e resseguradoras oferecerem garantias contratuais contra riscos futuros, assegurando a continuidade dos negócios e evitando as ruínas financeiras das famílias. Claro, tudo isso nos limites daquilo que é do conhecimento das partes no momento da pactuação e nos limites financeiros passíveis de serem suportados pelo ente segurador. 

Estes são princípios albergados em nossa legislação básica (Código Civil) e legislações complementares ou suplementares. A Seguradora indeniza, no seguro de danos, os riscos cobertos ou não excluídos e somente estes. Assim são precificados os contratos e assim são indenizados os sinistros. 

Hodiernamente, os estudos sobre a difícil situação imposta pela pandemia do Coronavírus a toda humanidade vêm sendo orientados para múltiplas frentes: sejam elas comportamentais, de saúde, hospitalizações, isolamentos familiares, distanciamentos sociais e, mais recentemente, e – também importante - danos causado aos negócios, com suas consequências e extensões. As autoridades, nos limites de suas competências/deveres, em justificável propósito de mitigar as consequências letais da Covid 19, impuseram severas restrições às atividades sociais, pessoais e negociais. 

Os cidadãos se viram obrigados a não circular, salvo para busca de comida e de remédios. As lojas, os restaurantes, os shoppings, os bares, as indústrias e quaisquer outras atividades foram sumariamente interditadas por largo período, resultando disso tudo severos prejuízos às coletividades pelo mundo afora. 

Agora tem início a contabilização do prejuízo, a conscientização do problema para os empreendedores sobreviventes e a compreensão trágica daqueles que soçobraram na calamidade. 

Como corolário, vem a pergunta natural: é possível ressarcir tantos prejuízos? 

A resposta não é nada fácil. Os Estados e os municípios, em princípio, agiram protegidos pela legislação da calamidade púbica, e, portanto, não respondem por reparações no campo civil, mesmo que conste na Legislação trabalhista a responsabilização do estado (genérico) quando causar prejuízos na relação trabalhista acertada entre particulares. Esta questão - refira-se - a poucos socorre porque é limitada a hipotéticas indenizações que, a rigor, decorrem de situações minimamente pontuais. 

Para o mercado segurador global, a questão também não tem simplicidades. Não vamos abordar o seguro de pessoas porquanto encaminhada para a pacificação, mas somente o de danos, mais especificamente o seguro de lucros cessantes. Este não é um seguro autônomo, independente. Ele está acoplado a uma apólice principal de dano a um negócio, imóvel, evento, etc.. É o caso – para exemplificar- do seguro de lucros cessantes acoplado ao seguro contra fogo (e outros riscos, v.g. inundações, temporais, queda de raios, granizo, etc.) de determinado estabelecimento comercial. Destruído e indenizado (total ou parcialmente) o bem, é de serem apurados os lucros que cessaram pela interrupção abrupta do negócio, em razão de fato indenizável pela seguradora. 

No momento atual, a pandemia e suas decorrências já provocaram danos financeiros verificáveis e/ou quantificáveis nos estabelecimentos comerciais, industriais ou de serviços. Os enormes prejuízos enfrentados por estes empresários, pelos empregados, pelos fornecedores ou pelo púbico em geral, não serão indenizados, em princípio, pelo mercado segurador. E isto simplesmente porque nas apólices constam como excluídos os riscos decorrentes de epidemias ou pandemias. Os prêmios foram quantificados e pagos exclusivamente para este universo. A exclusão de cobertura de lucros cessantes para epidemias e pandemias é coerente com a necessidade de o risco se filiar a eventos físicos, determinantes diretos para a interrupção dos negócios. 

Diante de algumas antigas decisões judiciais que vieram flexibilizar a rigidez destes conceitos, as seguradoras foram ainda mais específicas: clausularam a expressa exclusão de cobertura para os riscos de natureza viral. Nas apólices de seguros o risco de interrupção do negócio está definido como perda física (destruição das mercadorias, por exemplo). Isto de per si excluiria a cobertura a lucros cessantes, mas a sepultar qualquer pretensão outra, há o clausulado de induvidosa exclusão viral. 

Nos Estados Unidos, as Seguradoras estão negando indenizações por Lucros Cessantes aos Restaurantes, provocando um enorme debate nacional. Lá foi instituída uma ONG denominada de BIG – (Business Interruption Group), que é uma coalizão de milhares de empresas, empregadoras de milhões de pessoas em todos os setores da economia. Uniram-se para formar a organização sem fins lucrativos, objetivando lutar para que as seguradoras paguem as indenizações, por perdas de negócios em consequência do coronavirus. As seguradoras esclarecem que o mercado adotou uma cláusula contratual para excluir vírus e surtos bacterianos de qualquer cobertura. 

A American Property Casualty Insurance Association estima que as perdas para empresas com 100 funcionários ou menos sejam agora de US $ 431 bilhões, superando os prêmios anuais de US $ 71 bilhões. Lá como aqui, o mercado segurador não dará cobertura indenitária a Lucros Cessantes decorrentes da pandemia. 

Finalmente, é preciso ressalvar que neste tempo de Coronavirus, nada está definitivamente assente. As considerações que agora faço amparam-se, no momento, no instantâneo dos fatos e ficam, obviamente, sujeitas às novidades e às novas realidades que a experiência venha a trazer. Afinal, como se diz e sabe, as circunstâncias acontecem na vida, não como uma fotografia, mas como um filme e tudo muda ou evolui.

Um comentário:

  1. Mesmo para mim, que sou leiga na área jurídica, um artigo muito esclarecedor. Parabéns, um tema se interesse para todos os empresários e advogados!

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