Artigo do Dr Gustavo Juchem, Diretor do Departamento de Direito do Trabalho do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul
Tema: Teletrabalho: Tratamento Legal e Desafios
As relações laborais estão sendo fortemente impactadas pela pandemia do novo coronavírus. Talvez a mais significativa e duradoura mudança seja o incremento do teletrabalho, impulsionado pelas restrições ao trabalho presencial. De acordo com pesquisa do IBGE, o número de trabalhadores que atuavam em home office passou de 3,8 milhões, em 2018, para 8,8 milhões, em 2020, representando 13,2% da população ocupada e não afastada do trabalho em virtude da pandemia.
Embora a palavra grega tele signifique distância, nem todo trabalho realizado à distância é teletrabalho. Jack Nilles o conceitua como a possibilidade de enviar o trabalho ao trabalhador, ao invés de enviar o trabalhador ao trabalho. No Brasil, o legislador considera teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo (art. 75-B da CLT). Pressupõe, portanto, a execução do trabalho fora do estabelecimento do empregador e necessariamente mediante a utilização da telemática. O home office, muitas vezes confundido com o teletrabalho, é, na verdade, uma das muitas formas deste.
O teletrabalho mereceu atenção do legislador pátrio, pela primeira vez, apenas em 2011, quando a Lei nº 12.551 alterou o art. 6º da CLT para, desde que presentes os pressupostos da relação de emprego, equiparar o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, esclarecendo que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Em outras palavras, a tecnologia permite que o empregador exerça seu poder de direção mesmo à distância, não sendo esta, pois, obstáculo a que o teletrabalhador seja considerado empregado.
Em 2017, a Lei nº 13.467, que pretendeu adequar a legislação às novas relações de trabalho, introduziu no Título II da CLT o Capítulo II-A, dispondo sobre a prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho. A prestação de serviços nessa modalidade deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado. A alteração do regime presencial para o de teletrabalho depende de acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual. As regras de duração do trabalho não se aplicam aos empregados em regime de teletrabalho. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública causado pela pandemia, a Medida Provisória 927, de 22/03/2020, permitiu ao empregador, de forma unilateral, alterar o regime de trabalho presencial para o de teletrabalho e vice-versa. Permitiu, ainda, a adoção do regime de teletrabalho para estagiários e aprendizes. E dispôs que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.
Até o momento, poucos conflitos envolvendo o tema foram submetidos ao Poder Judiciário. No RS, em 2019, foram propostas somente 15 ações versando sobre teletrabalho. Em 2020, esse número aumentou para 32, mas de um total de 112.391 mil novos casos. Atualmente, nas ações abrangendo a matéria, o que se discute, predominantemente, é a existência de controle do horário trabalhado e o direito ao recebimento de horas extraordinárias. Com o tempo, contudo, a quantidade de litígios certamente aumentará, assim como outras implicações da prestação de serviços nessa modalidade serão questionadas, especialmente o ônus pelo custeio de equipamentos e infraestrutura e a responsabilidade por acidentes e doenças do trabalho.
A confirmar o interesse e a preocupação crescentes para com o teletrabalho, no Congresso Nacional tramitam hoje 174 proposições legislativas sobre a matéria (165 na Câmara dos Deputados e 9 no Senado), pretendendo disciplinar direitos e deveres de empregados e empregadores, prioridade e cotas para determinados empregados, controle de jornada e direito à desconexão, responsabilidade por equipamentos e infraestrutura, auxílio home office, isenção fiscal para aquisição de equipamentos e responsabilidade do empregador por acidente de trabalho. Há até mesmo propostas prevendo a “revogação” do teletrabalho e a instituição do dia nacional do teletrabalho.
Pesquisas recentes indicam que a maioria das empresas e muitos empregados pretendem manter o regime de teletrabalho após a pandemia, ou adotar modelo híbrido, combinando trabalho presencial em parte do tempo e teletrabalho no restante. A emergência de saúde pública, portanto, acelerou uma transformação que estava em curso e que será duradoura. Mas para a consolidação do teletrabalho como opção viável e segura, além da universalização da internet de qualidade, será preciso conciliar a não aplicação das regras sobre a duração do trabalho com o direito do empregado à desconexão; adaptar e integrar o teletrabalhador e prevenir doenças e acidentes; definir quem responde pelo fornecimento dos equipamentos e pelo pagamento das despesas; disciplinar o uso de redes sociais e recursos eletrônicos, e assegurar a proteção dos dados tratados; estabelecer regras de enquadramento sindical, isonomia salarial e competência de foro. A solução para esses problemas pode advir do aperfeiçoamento da legislação e/ou da contratação entre as partes. Entretanto, considerando que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando dispuserem sobre teletrabalho (art. 611-A, VIII, da CLT), entendemos que a negociação coletiva é o melhor meio para superação desses desafios, observando as particularidades de cada atividade econômica ou empresa e as características de cada região e comunidade, prevenindo conflitos e proporcionando segurança jurídica para a adoção do teletrabalho.
Excelente artigo ! Abordagem clara e direta da matéria ! Parabéns !
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