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terça-feira, 6 de abril de 2021

Artigo- O advogado e a mediação: porta acessível para abordagem do conflito

 


Artigo do advogado e associado do IARGS, Dr Paulo D'Oliveira
Tema: O advogado e a mediação: porta acessível para abordagem do conflito

Paulo D’Oliveira[1]

Ao experimentar alguma pretensão resistida, como, por exemplo, a de conviver com filho, a de receber auxílio financeiro, a de partilhar bens, a de se separar, a de receber uma indenização, a de tomar posse sobre um bem ou cargo público, dentre outras, a pessoa insatisfeita, no sentido de compreender que esteja sendo prejudicada, geralmente busca a via tradicional. Para tanto, escolhe o advogado de confiança para o ingresso da ação judicial. Por este caminho, a busca da satisfação da pretensão do sujeito se dá pela interpretação jurídica, pelo enquadramento do caso ao direito e, por consequência, pelo pedido perante o juiz (método heterocompositivo). Este o exercício da tradicional função do advogado, que é a de inaugurar a lide. Uma das portas oferecidas pela corte.

A lide remete as partes a algum lugar no passado, que é exatamente a data da narrativa do fato ou do ato (contado) ao advogado e/ou na data do ajuizamento da ação (distribuição do pedido ao juiz). E terá o tempo de duração vinculado ao tempo da tramitação do processo judicial, vale dizer, até a sentença final transitada em julgado (depois de vencidos inúmeros recursos disponíveis no sistema processual). A média de tramitação de um processo no Brasil é de oito anos e submete os envolvidos a elevados custos pessoais e financeiros[2]. A lide também marca o progressivo afastamento - ou até mesmo bloqueio - na comunicação entre as personagens principais (pessoas em conflito – autor e réu) que permanecem em suas posições, em vigília e no aguardo da decisão de um terceiro (sentença). Escorre pelas mãos o tempo e a possibilidade de uma comunicação eficiente. Na lide, elas se manifestarão somente por escrito nos autos processuais por interposta pessoa e em termos jurídicos. Esta situação acarreta a ritualização e a padronização da comunicação, podendo levar até a impossibilidade de se tratar dos interesses atuais, que são dinâmicos.

Em 2015, houve a promulgação das leis n°13.105 e n°13.140, respectivamente o novo Código de Processo Civil[3] e a Lei da Mediação, que inauguraram porta de acesso à justiça para abordagem de conflitos no sistema de justiça e a forma como a sociedade poderá, daqui para o futuro, desenvolver cidadania, no sentido de retomada da participação efetiva e envolvimento ativo das próprias pessoas em conflito na busca de alternativas para sua solução. Referidas leis trouxeram ao Estado a incumbência de incentivar as pessoas a acessarem esta porta da autocomposição dos conflitos. Esta porta dá acesso a um novo ambiente e, ao mesmo tempo que inaugura conceitos e exige a atualização de mind set dos operadores no Direito, sobretudo o advogado, mantém o seu papel essencial como garantidora da segurança jurídica.

A mediação lança as pessoas em conflito no presente e com olhar prospectivo (em direção ao futuro). Esta lente específica, provocada pela metodologia da mediação sobre o bem em disputa, busca encontrar os interesses em jogo e significá-lo de modo mais abrangente. A imagem do iceberg serve bem a demonstrar a distinção das abordagens entre a lide e o conflito[4]. O que se consegue observar é o que está acima do nível d’água (a lide); e o que se poderia, submerso (o conflito com suas características peculiares). Esta abordagem considera e valida, além das posições (pretensão resistida), outras áreas tão importantes quanto as posições, como as necessidades, os interesses e os sentimentos que, invariavelmente, são situações dinâmicas, mutáveis diante de circunstâncias, contextos, pessoas envolvidas.

Assim, em que pese a tendência histórica de se buscar o acesso da justiça pela porta da lide - afinal, desde a última reforma do anterior Código de Processo Civil, se vão 20 anos e 42 anos de vigência até a sua revogação, atualmente, a lei acena para uma outra porta de entrada, como já ocorre nos Estados Unidos: uma metodologia reconhecida[5]. Por sua vez, por disposição deontológica[6], o advogado deve indicar e acompanhar seu cliente nesta abordagem do conflito no sentido de lhe orientar e, fundamentalmente, proporcionar segurança jurídica para a construção e formatação de eventual entendimento. Este é papel distinto do desempenhado pelo mediador, mas que se aproxima pela circunstância de ser função coadjuvante e de envolvimento integral (princípio, meio e fim)[7]. Coadjuvante porque o sentido dos papéis é o de facilitar a comunicação direta e eficiente entre as partes (mediandos). Jamais as substituem na responsabilidade da busca de alternativas sobre o melhor para si, a partir das próprias concepções.

A análise, portanto, para uma decisão livre e esclarecida de evitação, autocomposição ou heterocomposição, geralmente é dada ao advogado que está sob permanente fiscalização do órgão de classe. O advogado deve abordar o conflito e o encaminhar, no todo ou em parte, por disposição ética e legal, ao procedimento de mediação, e acompanhá-la, ou mesmo buscar a negociação indireta. Como regra processual, as partes devem receber a completa informação sobre o teor do artigo 168 e parágrafos do Código de Processo Civil e sobre a Lei da Mediação, para que tenham ampla liberdade de refletirem e poderem optar em qualquer momento pela porta da mediação.

E se esta for a porta a ser acessada, somente desta forma terão condições de escolherem o mediador ou câmara de sua confiança, também a partir de uma decisão esclarecida. Além desta informação, caso exista processo judicial, devem receber prazo razoável para que, juntamente com o advogado, busquem o mediador ou a câmara na forma como melhor lhes aprouver, onde haverá maior celeridade para o início das sessões, maior flexibilidade de agendas e, o mais importante, confiança. Havendo processo judicial em tramitação, cabe ao juiz abrir prazo em cumprimento ao disposto no parágrafo segundo do artigo 168 do Código de Processo Civil e, somente no caso deixarem de se manifestar no prazo assinado, determinar o encaminhamento dos autos do processo ao CEJUSC.

A Resolução n° 02/2015, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - Código de Ética e Disciplina da Advocacia, por sua vez, na parte que trata sobre os deveres do advogado, dentro dos Princípios Fundamentais e da Ética profissional, revitaliza[8] o inciso VI do parágrafo único do artigo 2°: é dever do advogado a ação de estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios. Significa dizer, em outros termos, que a função do advogado resta potencializada, não apenas como detentor do jus postulandi, mas, antes, como gestor de conflitos. Importa considerar no contexto atual uma advocacia com este perfil (multiportas) não somente de atuação forense. Por ser conduta ética esperada, o advogado deve buscar evitar, com todo o esforço e competência, o processo judicial litigioso, que abordará a lide, e não o conflito. Isto não significa impedir o acesso à Justiça[9], apenas que esse acesso deve ser resguardado às situações realmente necessárias: tutela de garantias[10], persecução de crimes.

Alçado como função indispensável à administração da justiça pelo mandamento constitucional[11], a advocacia detém a prerrogativa da inviolabilidade por seus atos e manifestações nos limites da lei de regência da atividade (Lei 8.906/94), que dispõe serem atividades privativas do advogado a postulação a órgão do Poder Judiciário e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. No âmbito da mediação judicial a lei obriga a participação do advogado[12], assim como se compreende recomendável para a mediação privada[13]. Ora, estando o advogado exercendo seu mister na assessoria jurídica de seu cliente, deverá acompanhá-lo na mediação. E ficará ao critério da decisão do advogado em conjunto com o seu cliente, a oportunidade de comparecer em todas as sessões acompanhando seu cliente.

“A atuação dos advogados na sessão de Mediação, além de subsidiar os clientes com informações jurídicas relevantes, pode ter duas utilidades adicionais, quais sejam: (i) propiciar maior igualdade entre as partes na condução das negociações, impedindo que o estilo de uma imponha decisões à outra, e (ii) avaliar a viabilidade jurídica das propostas e do acordo que porventura seja obtido ao final do procedimento, impedindo a constituição de obrigações inexequíveis”[14].

Pode se acrescentar, ainda, três utilidades da atuação do advogado: 1) avaliar a qualidade do procedimento de mediação em relação as garantias e a segurança jurídica para a tutela dos interesses de seu cliente; 2) elaborar e encaminhar eventual entendimento nos casos que tratam de direito indisponíveis e/ou que seja imprescindível a homologação judicial, como sendo o único ator neste âmbito detentor do Jus Postulandi; e, 3) agregar mais confiança ao procedimento de mediação, e, para tanto, a ele também deve ser dirigido, por parte do mediador, o acolhimento, a validação de sua participação.

A busca pelas melhores práticas dentro do sistema de justiça reclama permanente capacitação, experiência e cumprimento da legislação para que todos os operadores possam oferecer o melhor atendimento em benefício aqueles que estão experienciando o conflito. Para a construção e o desenvolvimento do chamado “tribunal multiportas” na abordagem do conflito social[15], vale dizer, protocolos que possam oferecer o encaminhamento adequado às pessoas em conflitos, com possibilidade de ser realizada análise e diagnóstico acurados, antes deve ser da conta das personagens que possam abrir as portas para acolher estas pessoas no sentido de operarem em efetivo benefício, oportunizando-se a gestão do conflito em observância da ética. E, no particular, a interlocução entre mediador e advogado, em respeito às distintas funções, é imperiosa.


[1] Advogado. Mestre em Direito. Mediador.


[2] Relatório Justiça em Números (http://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justicaemnumeros/2016-10-21-13-13-04/pj-justica-em-numeros). Acesso 28/08/2019.


[3] Parágrafos 1°, 2° e 3° do artigo 2° do Código de Processo Civil.


[4] Pede-se licença aos iniciados na mediação: o exemplo permanece muito adequado.


[5] Evidentemente que existem variáveis ensejadoras a tanto: custo elevadíssimo para se utilizar do sistema judicial, common law como fonte de direito, respeitabilidade entre profissionais, praticidade cultural, boa-fé, entre outras; mesmo assim, pesquisas e adaptações são possíveis no Brasil.


[6] Código de Ética e Disciplina OAB: Dos Princípios Fundamentais. Art. 2⁰, inciso VI - estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios; [...].


[7] Este fenômeno do envolvimento integral não ocorre na lide, pois os colaboradores participam de forma compartimentada.


[8] Insere a Mediação ao lado da Conciliação.


[9] Inciso XXXV do Art. 5º CF.


[10] FISS, Owen. Um novo processo civil – estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. Coordenação e tradução Carlos Alberto de Salles; tradução Daniel Porto Godinho da Silva, Melina de Medeiros Rós. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.


[11] Art. 133 CF.


[12] §9° do Art. 334 CPC e Art. 26 da Lei 13.140/2015.


[13] Projeto de lei em tramitação no Senado Federal prevê obrigatoriedade da presença de advogados na Mediação (PL5.511/2016).


[14] ALMEIDA, Diogo A. Rezende de, PAIVA, Fernanda. A Dinâmica da Mediação. In ALMEIDA, Tânia, PELAJO, Samantha, JONATHAN, Eva (org). Mediação de Conflitos – para iniciantes, praticantes e docentes. p. 264.


[15] Considera-se que à abordagem do conflito devem ser construídos e observados protocolos, a exemplo do que ocorre na área da saúde (postos, clínicas e hospitais), que podemos denominar de “multiportas” desde a perspectiva do advogado que incialmente é solicitado, antes mesmo de poder sê-lo na corte.

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