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segunda-feira, 4 de abril de 2022

Artigo- DIREITO E LITERATURA - O Estrangeiro, de Albert Camus

Artigo do Dr Marcus Vinícius Antunes, advogado, associado do IARGS,
professor de direito constitucional, pós-doutor pela UFRGS
Tema: DIREITO E LITERATURA O Estrangeiro, de Albert Camus

Mersault era dotado de personalidade singular. A narrativa, por ele próprio, induz a pensar que seria um francês habitando Argel. E, por mais de uma vez, refere o “Árabe”, a “mouresca”, como estranhos. Vida monótona, trabalho burocrático à tarde numa empresa de exportação.  Em quase tudo se mostra indiferente: ao convite feito pelo patrão para ir para Paris, com vantagem financeira; à pergunta de Marie, sua amante, se a amava; ou se queria casar com ela; à agressão a uma amante, por Raymond, vizinho de apartamento e rufião. Seu interesse, breve bem-estar, mais do que alegria, era jantar no Céleste; olhar o mar e o céu, a beleza das mulheres, fazer sexo com Marie. Uma vida virtualmente mecânica.

Em um domingo, Mersault mata um homem, à beira-mar. Processado, abre mão de um advogado. O dativo indicado não logra dele qualquer versão favorável, nem mesmo para a falta de emoção com a morte da mãe. Diante do juiz de instrução, igualmente, nada diz que possa favorecê-lo, e nega acreditar em Deus, mesmo diante da insistência.  Na verdade, ocorrera uma cadeia de fatos aparentemente fortuitos: uma rixa entre o irmão da amante, revoltado com os espancamentos dela, e Raymond. Mersault liga-se ocasionalmente a este homem; numa segunda rixa, na praia, o amigo se defende com um soco e é ferido a faca. Uma hora depois, Mersault volta ao local, “em busca de uma fonte fresca”. Tinha ainda no bolso um revólver passado por Masson, amigo de Raymond, para defesa ocasional. Ali, encontra o mesmo “árabe”, que, diante da aproximação, ergue uma faca. Então, Mersault dispara um tiro. Instantes depois, os quatro seguintes, o homem já caído inerte. Uma cadeia de fatos improváveis, inerente ao absurdo de Camus.

Para a acusação, essa série de fatos se alinhava para levar à premeditação condenatória. Mas outros argumentos, relativos à sua personalidade, produzem ainda mais efeito sobre os jurados: Mersault havia posto a mãe num asilo, próximo de Argel; não havia chorado nem demonstrado emoção em seu enterro; havia retornado imediatamente e assistido no dia seguinte o filme de um conhecido cômico francês, junto com a amante. Enfim, eram provas irrefutáveis de uma personalidade apta a delinquir, perigosa. A defesa, a seu turno, procura mostrar que houvera uma cadeia de casualidades, sem qualquer premeditação, e que ele era homem trabalhador e confiável.

Durante a sessão de julgamento, Mersault é mais observador, como os jornalistas presentes na sala lotada, do que réu, preocupado com sua sorte. Tudo lhe parece alheio e teatral: gestos, retórica exagerada, fisionomias dos jurados. Diante da pergunta do porquê dos tiros seguintes, atribui absurdamente “ao sol”.  A final, é condenado pelo júri a morrer na guilhotina, por ter premeditado a morte de um homem.

Na prisão, um padre, depois de várias recusas, insiste num arrependimento e numa conversão. Mersault resiste todo tempo, e acaba por explodir em cólera, mostrando indignação e uma paixão inaudita em defender o direito à pequena vida e à própria indiferença. E se mostra agora disposto a morrer satisfeito, considerando que vivera feliz, e desejando que houvesse muitos espectadores no dia da execução e que todos o recebessem com gritos de raiva.

A obra marca, entre outras, a ideia do absurdo, como centro da existência humana. Camus recebeu o Prêmio Nobel em 1957, três anos de morrer num acidente automobilístico.

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