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terça-feira, 9 de dezembro de 2025

IARGS debate impactos jurídicos e psicológicos dos traumas ocultos

O Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS), por meio do Departamento de Psicologia Judiciária, realizou, no dia 9 de dezembro, a palestra gratuita e presencial “Trauma oculto: quando a violência psicológica se torna uma questão jurídica”, na sede do Instituto. A atividade foi realizada pelo Prof. Dr. Jorge Trindade, advogado, psicólogo e diretor do Departamento de Psicologia Judiciária do IARGS.

O encontro reuniu autoridades, associados, advogados e psicólogos. Entre as autoridades presentes estavam a presidente do IARGS, Sulamita Santos Cabral; a vice-presidente, Liane Bestetti; o desembargador federal José Luiz Borges Germano da Silva; e o desembargador e escritor Carlos Saldanha Legendre. A iniciativa integra a programação do Departamento, que vem abordando temas relacionados à saúde mental, violência psicológica e suas repercussões jurídicas.

Durante a exposição, o Dr. Jorge Trindade, pós-doutor em Psicologia Forense, doutor em Psicologia e em Ciências Sociais, apresentou reflexões sobre como traumas psicológicos podem gerar efeitos físicos e emocionais significativos, muitas vezes não reconhecidos de imediato. Ele mencionou a teoria do pesquisador Otto Rank, “pouco lembrado pela literatura atual”, segundo a qual o parto seria o primeiro trauma vivido pelo ser humano, podendo influenciar a forma como traumas posteriores são percebidos ao longo da vida.

Os efeitos traumáticos foram descritos pelo palestrante a partir dos sinais que o corpo e a mente expressam, tradicionalmente chamados de sintomas pela psicologia e pela psicopatologia. Dores de cabeça, ansiedade, insônia, desconfortos gástricos, indisposição e medo foram citados como manifestações que revelam as consequências do trauma, e não o trauma em si: “a Psicologia busca interpretar o que o sintoma significa, investigando a causa emocional e não o sintoma”. Dr. Jorge referiu ainda a “ideia equivocada” de que traumas psicológicos não deixam marcas. Ele explicou que, além das repercussões emocionais, experiências intensas podem produzir efeitos físicos perceptíveis.

Outro ponto tratado na palestra foi a dificuldade de lidar com a memória traumática. Em muitos casos, relatou, o problema não está em esquecer, mas em não conseguir interromper as recordações. “Esse fenômeno, denominado hipermnésia, faz com que o evento continue repercutindo internamente, mesmo anos após sua ocorrência”, explicou, acrescentando que muitos traumas não são públicos. Segundo ele, permanecem silenciosos por medo, vergonha ou receio das reações alheias, e podem gerar sintomas persistentes semelhantes a “cinzas que parecem frias, mas cujo fogo ainda não se apagou”.

Entre os traumas chamados de ocultos, citou vivências que não necessariamente envolvem grandes acontecimentos, mas situações sutis e contínuas, como negligência emocional, rejeição, invalidação afetiva, perdas familiares, conflitos domésticos, palavras duras, gestos inesperados ou toques inadequados, além de formas mais expressivas de violência física ou sexual. “O impacto dessas experiências é subjetivo e varia conforme a história de vida e a estrutura psíquica de cada pessoa”, salientou.

Ao abordar o ponto em que o trauma se transforma em questão jurídica, Dr. Jorge Trindade explicou que isso ocorre quando a experiência traumática gera dano, especialmente o psíquico: “para ser reconhecido judicialmente, o dano deve ser identificado, mensurado e comprovado. A maior dificuldade está em demonstrar o nexo de causalidade entre o evento traumático e suas consequências emocionais, etapa considerada uma das mais complexas no campo jurídico”. De acordo com ele, a responsabilização só se consolida quando fica estabelecido que determinado comportamento produziu efeitos com casualidade na vida da vítima.

Também ressaltou a profundidade e a persistência dos traumas emocionais, “que podem comprometer áreas essenciais da existência, incluindo a vida profissional, afetiva e social”. Medos intensos, angústia persistente, depressão profunda, isolamento e dificuldades de manter relações estáveis foram mencionados pelo Doutor em Psicologia como consequências capazes de limitar significativamente a vida cotidiana. “Traumas expostos publicamente e aqueles guardados em silêncio produzem impactos que podem dificultar a construção de uma vida funcional e satisfatória”, acentuou.

O encerramento da palestra enfatizou a importância da palavra no processo de elaboração emocional: “A fala, ao permitir a expressão e o compartilhamento do sofrimento, tem impacto direto no cérebro e atua em circuitos neurais semelhantes aos estimulados por alguns tratamentos medicamentosos, ainda que de forma mais lenta”. Destacou, na oportunidade, que a expressão verbal, por meio de uma consulta psicológica, pode aliviar o peso das experiências traumáticas, reforçando que “um trauma partilhado, uma dor partilhada, sempre é uma dor menos sofrida”.

Para finalizar, observou que, em uma sociedade marcada por julgamentos rápidos e forte polarização, muitas pessoas se sentem impedidas de se expressarem, o que agrava os chamados “traumas ocultos”. A ética do cuidado, afirmou, tende a enfraquecer quando o ambiente dificulta a expressão emocional e o acolhimento. A palestra foi concluída com a lembrança de uma máxima frequentemente citada: “aquilo que se cala, o corpo fala”.

Terezinha Tarcitano
Assessora de imprensa








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