Muito se fala dos graves problemas
de corrupção, desordem e violência que assolam a humanidade e da necessidade de
reformas legislativas para solucionar tais problemas. Costuma-se apontar o endurecimento
das sanções, o aumento da fiscalização e o aprimoramento das instituições como
saídas do status quo. Porém, é possível fazer um mundo melhor, mais
equilibrado e sustentável, somente por meio da edição de leis e da mudança de
sistemas, sem antes investir na formação de pessoas mais justas?
A prevalência da visão positivista
do Direito não é, certamente, a única causa de nossos problemas sociais e
jurídicos, mas sim um efeito da visão materialista que impera na sociedade
ocidental contemporânea. Todavia, o Positivismo contribui para a manutenção do
atual estado de coisas, cortando pela raiz a possibilidade de reflexão e o
resgate das tradições de sabedoria em termos do valor Justiça.
A Teoria do Direito Natural, por
sua vez, pressupõe verdades e valores absolutos, para além dos relativismos,
mesmo que o conhecimento humano não seja capaz de alcançá-los de forma
completa. Costuma-se apontar Aristóteles como o pai espiritual do Direito
Natural, tendo em vista suas profundas reflexões sobre lei e equidade,
igualdade e Justiça. No entanto, foi Platão, e não o seu mais famoso discípulo
quem demonstrou com maestria a existência do Justo por Natureza, conceito que,
diferentemente do aristotélico, se caracteriza pela invariabilidade e
transcendência.
A Tradição Jusnaturalista
inaugurada por Platão e desenvolvida por Cícero e Kant afirma que toda
existência empírica é a manifestação de uma essência transcendente, a qual, por
ser imutável e atemporal, é mais real que suas manifestações contingentes. A
busca do ser humano deve se voltar às essências, para além das meras
aparências, ainda que se reconheça a limitação desse processo. Uma visão de
mundo que negue a possibilidade investigação metafísica, como a apregoada pelo
Positivismo Jurídico, é incapaz de se debruçar sobre esses elementos. A visão
positivista não permite relacionar as Leis da Natureza e a Justiça Universal
com a experiência humana.
Na terminologia clássica do Direito Natural, o conceito de Justiça não se limita a uma convenção social, relativa e mutável, ainda que se manifeste dessa forma em vários momentos históricos. Trata-se de uma Lei Universal, presente no cosmos, no sistema solar, no átomo, na sociedade e no próprio homem enquanto indivíduo. Dela derivam todas as legislações que, portanto, não devem estar dissociadas da Justiça, mas apenas reconhecidas enquanto manifestação dela. Os valores fundamentais como vida, liberdade, igualdade, bem, felicidade, dignidade, saúde, todos eles têm seus núcleos essenciais e absolutos outorgados pelo Arquétipo Justiça, assumindo feições mutáveis segundo as existências concretas, porém longe de serem relativos. Negar a existência a priori de tais valores, reconhecendo-os somente quando positivados na legislação, é afastar toda a possibilidade de consciência, de reflexão profunda, de busca da sabedoria.
Cícero dizia que o Direito não é
constituído pela opinião, mas sim pela Natureza. Platão afirmava que a Justiça
é um Arquétipo no plano das Ideias (Nous), que se manifesta no plano psíquico
(Psiquè) como Virtude e, no plano físico (Soma), como Lei. Kant desenvolve os
conceitos da vontade pura, do imperativo categórico (ou dever incondicional) e
da Lei Universal de Justiça. Todos eles apontam para a educação humanista, isto
é, para a formação voltada ao desenvolvimento dos valores morais, como
requisito básico de uma sociedade justa, fraterna e harmônica. Significa dizer
que a solução está dentro do homem, e não fora; que a Justiça, enquanto
Arquétipo, necessita ser desenvolvida como Virtude antes de se manifestar como
Lei.
Não se trata de negar a existência
ou a necessidade de positivação do direito. Porém, há que ter em vista a
manifestação do Arquétipo da Justiça em cada produção normativa, não sem antes
realizá-lo no próprio ser humano. Ainda que se compreenda o movimento
positivista como uma reação ao fanatismo religioso que imperou na Idade Média,
nada justifica buscar o outro extremo do materialismo, o qual tem deixado
graves sequelas em toda a humanidade. Uma sociedade mais justa e fraterna só é
possível se os seres humanos forem, em sua conduta, mais justos e fraternos.
Referências Bibliográficas:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco.
São Paulo: Martin Claret, 2010.
BARZOTTO, Luis Fernando. Filosofia
do Direito: os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalista. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
BAUMAN, Zygmunt. Cegueira Moral.
Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
CÍCERO. Os Deveres – Tomo I.
São Paulo: Escala, 2008.
KANT, Immanuel. Fundamentação da
Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martin Claret, 2011.
KELSEN, Hans. O Problema da
Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
PLATÃO. A República.
São Paulo: Martin Claret, 2000.
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