Artigo do Desembargador Federal do TRF da 4ª Região Thompson Flores, Diretor da Escola da Magistratura (EMAGIS) e associado do IARGS
Tema: O Legado do Julgamento de Nuremberg
“Civilization does not expect that you can make war impossible. It does expect that your judicial action will put the forces of international law, its precepts, its prohibitions and, most of all, its sanctions on the side of peace, so that men and women of good will in all countries may have “leave to live by no man’s leave, underneath the law ”
“A civilização não espera que você torne a guerra impossível. Ela espera que sua ação judicial coloque as forças do direito internacional, seus preceitos, suas proibições e, acima de tudo, suas sanções do lado da paz, de modo que homens e mulheres de boa vontade, em todos os países, possam ter “permissão para viver sem licença de ninguém, de acordo com a lei ”
Justice Robert H. Jackson, Discurso de Abertura da Acusação, em 20 de novembro de 1945.
Há quase setenta anos, em 20 de novembro de 1945, iniciaram-se os procedimentos para o julgamento dos líderes nazistas naquele que se tornaria o primeiro julgamento internacional da história: o julgamento de Nuremberg.
Terminado o devastador conflito mundial, descobertos os horrores praticados pelo regime nazista, impunha-se a responsabilização criminal dos autores dos crimes contra a humanidade.
Deve-se ao Presidente Franklin D. Roosevelt, incentivado pelo seu Secretário de Defesa, Henry Stimson, a iniciativa de elaborar um plano visando à realização de um julgamento público, integrado pelos juízes das potências vitoriosas na segunda grande guerra, onde seriam julgados os 21 líderes nazistas, entre eles, Hermann Goering, Joachim von Ribbentrop, Albert Speer, Hjalmar Schacht, Franz Von Papen e o Marechal Keitel.
Os aliados vitoriosos, atentos às lições da História, concluíram que uma das formas de ajudar a Alemanha na sua reconstrução era o reconhecimento de que os seus líderes derrotados foram justamente os principais responsáveis, os verdadeiros arquitetos dessa destruição.
Em 12 de abril de 1945, pouco antes da rendição da Alemanha, ocorre a morte repentina do Presidente Roosevelt, que é sucedido pelo vice-Presidente Harry Truman, que encarrega o juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Robert H. Jackson, de organizar o Tribunal Militar Internacional e, ao mesmo tempo, ser o promotor-chefe.
A missão primordial do Justice Jackson foi a de assegurar um julgamento justo, concedendo aos réus a mais ampla defesa, aquela por eles negada às suas vítimas indefesas.
Homem público com vasta experiência nos Tribunais, imbuído daquele sentimento expresso por Von Jhering, que a força de um povo corresponde à força de seu sentimento jurídico, envidou o juiz Jackson todos os esforços e a sua determinação para realizar um julgamento que demonstrasse o triunfo de uma moral superior, e não simplesmente o de um poder superior das potências vencedoras do conflito.
Nesse ponto, impõe-se reconhecer que o Justice Jackson era o homem ideal para o trabalho a ser realizado, pois, além de seu comprovado compromisso com a justiça, ele tinha uma profunda aversão pelo regime nazista.
Calha neste passo a célebre frase em que Sófocles, na Antígona, pôs na boca de Creonte:
“É impossível conhecer a alma, o sentir e o pensar de quem quer que seja, se não o vimos agir, com autoridade, aplicando as leis.”
Em seu primoroso discurso inaugural, dando início ao julgamento e apresentando a acusação, acentuou Robert Jackson, verbis:
“A civilização quer saber se a justiça é tão lenta a ponto de ter sido inútil para lidar com crimes dessa magnitude cometidos por criminosos dessa ordem de importância. Não esperem que possamos evitar a guerra. Essa ação jurídica impulsionará as forças do direito internacional, seus preceitos, proibições e, sobretudo, suas sanções em prol da paz, para que homens e mulheres de boa vontade, em todos os países do mundo, possam ter a liberdade de viver, sem ter de pedir permissão a ninguém, sob a proteção da lei.”
No decorrer da instrução, avolumaram-se as provas contra os réus, cujas atrocidades, ricamente documentadas, horrorizaram a própria civilização.
A respeito, observou em suas memórias Francis Biddle, o juiz titular norte-americano no Tribunal, verbis:
“There was no end to the horrors of the testimony. The mind shrank from them, grew tired, rejected the imaginative and systematic cruelties. Or one tried to feel, to share the heroism of the victims.”
“Não houve fim para os horrores do testemunho. A mente se encolheu diante deles, cansou-se, rejeitou as crueldades imaginativas e sistemáticas. Ou se tentou sentir, compartilhar o heroísmo das vítimas ”.
Decorridos setenta anos do início desse histórico julgamento, pode-se concluir que o legado de Nuremberg é o seu próprio precedente, eis que, a partir de então, nenhum chefe de Estado pode alegar estar acima da lei e as pessoas que com ele colaboraram não mais podem esquivar-se de suas responsabilidades, escondendo-se atrás da anonímia de um governo ao qual servem.
Ademais, o julgamento de Nuremberg lançou as bases de uma nova ordem mundial, privilegiando a resolução dos conflitos através da Diplomacia, onde os Estados soberanos podem, por meio de um sistema organizado de negociação, por um fim em suas disputas, como almejava o saudoso Presidente Woodrow Wilson na Conferência de Versalhes, em 1919.
Por outro lado, e esse , talvez, seja o seu legado mais importante, as decisões proferidas pelo Tribunal de Nuremberg projetaram-se diretamente no Direito Internacional, criando os fundamentos para a instituição das leis internacionais visando a proteger os direitos humanos, propiciando a que todas as pessoas possam recorrer às cortes de justiça se acharem que os seus direitos foram violados, responsabilizando os autores dessa grave violação.
Por fim, convém recordar as palavras do Justice Jackson, em seu célebre discurso de acusação aos criminosos nazistas, combatendo as pessoas que personificaram, como nunca antes visto na História da Humanidade, o ódio racial, o nacionalismo xenófobo, o militarismo exacerbado e o mais cruel abuso de poder, verbis:
“Meritíssimos senhores, tenho a honra e o privilégio de abrir a sessão do primeiro julgamento na história de crimes contra a paz mundial, o que impõe uma grande responsabilidade. Os crimes que vamos julgar e condenar são tão premeditados, perversos e tão devastadores que a civilização não pode ignorá-los, nem serem repetidos. As quatro potências, incentivadas pela vitória e chocadas com as injustiças cometidas, estendem a mão da vingança e, voluntariamente, submetem seus inimigos capturados a julgamento nesse tribunal em um dos mais significativos tributos que o poder fez à razão. Esses homens são os primeiros líderes de uma nação derrotada na guerra a serem julgados em nome da justiça, portanto, concordamos que eles têm o direito de alegar inocência e aceitamos o ônus de comprovar os atos criminosos e de responsabilizar os acusados por suas ações.”
Ius gentium est quod naturalis ratio inter omnes homines constituit. (GAYO, Dig. 1, 1, 9).
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