Artigo do Dr. Gustavo Juchem, Diretor do Departamento de Direito do Trabalho
do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul
Tema: A vacinação contra a Covid-19 – implicações trabalhistas
Com a progressão do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 e o retorno de boa parte dos trabalhadores ao trabalho em regime presencial, se discute, atualmente, acerca da possibilidade de imposição da vacinação aos empregados, pelos respectivos empregadores. Igualmente há interessante controvérsia quanto à possibilidade de punição do empregado que se recusa a receber a vacina contra a Covid-19.
A Lei nº 13.979 estabeleceu que, para o enfrentamento da pandemia, as autoridades poderão determinar a realização compulsória de vacinação, sujeitando as pessoas, em caso de descumprimento, à responsabilização, nos termos previstos em lei. O Supremo Tribunal Federal - STF, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6.586 e nº 6.587, decidiu pela constitucionalidade dessa disposição da Lei nº 13.979, distinguindo a vacinação compulsória da vacinação forçada e assegurando o direito de recusa do cidadão, mas, ao mesmo tempo, legitimando a restrição ao exercício de certas atividades ou a frequência a determinados lugares àqueles que não se vacinarem.
A questão também foi enfrentada pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo nº 1267879, tendo restado decidido que “é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar".
Não pode, pois, o empregador impor aos seus empregados que se vacinem contra a Covid-19. Mas cabe inequivocamente ao empregador promover a proteção à saúde dos seus empregados, zelando pela segurança e higidez do ambiente laboral. E a vacinação se constitui, reconhecidamente, na principal e mais eficaz forma de prevenção ao contágio pelo coronavírus e, principalmente, de imunização contra a Covid-19. Assim, diante da recusa do empregado em se vacinar, quais medidas pode o empregador adotar, no exercício de seu poder disciplinar?
A Constituição da República prevê o direito dos trabalhadores à redução dos riscos inerentes ao trabalho (artigo 7º, inciso XXII). A Consolidação das Leis do Trabalho determina que cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, assim como instruir os empregados quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais (artigo 157). Também dispõe expressamente que compete aos empregados, sob pena de incorrerem em ato faltoso, observar as normas de segurança e medicina do trabalho, as instruções expedidas pelo empregador a respeito, e utilizar os equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa (artigo 158). Por sua vez, a Norma Regulamentadora nº 1 do Ministério do Trabalho e Previdência, que trata das disposições gerais relativas à segurança e saúde no trabalho, dispõe que cabe ao empregador cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde no trabalho; ao empregado, cumprir essas mesmas disposições, inclusive as ordens de serviço expedidas pelo empregador, constituindo ato faltoso a recusa injustificada ao cumprimento.
Logo, é obrigação do empregador implantar medidas informativas e preventivas visando a minimizar o risco ao qual os trabalhadores estão expostos no ambiente de trabalho diante da pandemia do coronavírus. A vacinação é a mais importante forma de prevenção, constituindo-se em medida de proteção individual e coletiva, em virtude da diminuição do risco de casos graves de Covid-19 (proteção individual) e redução dos índices de contágio (proteção coletiva). Por conseguinte, além de procurar orientar e conscientizar os trabalhadores sobre a importância da vacinação, poderá o empregador adotar providências em relação àqueles trabalhadores que deixarem de se imunizar (exceto se o fizerem por recomendação médica).
Tais providências poderão consistir na alteração do regime de trabalho desses empregados para o de teletrabalho, na alteração do seu local de trabalho ou proibição de sua circulação em determinados locais ou horários, de modo a proteger os demais trabalhadores do risco de contaminação; poderão, outrossim, consistir na aplicação de medidas disciplinares, como advertências e suspensões. Em último caso, a persistência da recusa à vacinação poderá configurar ato de indisciplina ou insubordinação e ensejar a despedida do empregado por ato fundado em justa causa, como consta do Guia Técnico Interno do Ministério Público do Trabalho sobre vacinação da Covid-19, “pois deve-se observar o interesse público, já que o valor maior a ser tutelado é a proteção da coletividade.”.
Recente e paradigmática decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região nos autos do processo nº 1000122-24.2021.5.02.0472 reconheceu que, dada a gravidade da pandemia, não se mostra razoável aceitar que o interesse particular do empregado prevaleça sobre o interesse coletivo, pois, ao deixar de tomar a vacina, coloca em risco a saúde dos seus colegas de trabalho. Se o empregado foi anteriormente advertido e não justificou a recusa em tomar a vacina, a dispensa por justa causa não se revela abusiva ou descabida, mas, sim, absolutamente legítima e regular.
Cabe salientar, todavia, que a despedida por justa causa deve ser adotada como última alternativa, após esgotadas as tentativas de convencer o trabalhador sobre a necessidade de proteger a si e aos outros com a administração da vacina contra a Covid-19, o que inclui o dever do empregador de propiciar os meios adequados para que o empregado possa ser informado e orientado, disponibilizando inclusive consulta médica, se necessário.
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