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segunda-feira, 22 de abril de 2024

Artigo- Exploração Comercial da Criança nas Redes Sociais e Implicações Jurídicas

 

Artigo da associada do IARGS, Drª Ana Paula Foltz, advogada especialista em Judicializações de tratamentos de Alto Custo, pós-graduada pela UFRGS, 
membro CDAP /OABRS, membro CDH/OABRS
Tema: Exploração Comercial da Criança nas Redes Sociais e Implicações Jurídicas

Resumo
O presente artigo tem como objeto de estudo a preocupante exploração comercial da criança nas redes sociais, bem como suas implicações jurídicas, as quais, vem se modificando ao longo dos anos através da legislação, com o objetivo de entendimento e proteção da dignidade da criança, bem como seus direitos garantidos constitucionalmente. Além disso, segue uma importante análise das consequências jurídicas em relação à exposição visando a comercialização dos menores, configurando uma forma de abuso.
Palavras-chave: Criança. Redes Sociais. Internet. Abuso.imagem. Danos Morais.


Introdução
No direito romano, a família possuía como chefe o marido, sendo que esse pater familias tinha o poder absoluto sobre os filhos e a esposa que deveria ser submissa. Hoje em dia, já é possível encontrar no direito de família o princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, esse princípio está estabelecido no artigo 226, § 5º da Constituição Federal:
Nesta seara, temos a ligação direta entre a criança e a família e a prospecção comercial dos menores estimulada pelas redes sociais e suas tentações.

A utilização da internet, especialmente as redes sociais, para documentar aspectos da vida dos filhos, experiências da maternidade ou paternidade é uma prática cada vez mais comum. Ocorre que os pais ou responsáveis legais podem expor indevidamente informações pessoais de menores e colocá-los ainda em situação de vulnerabilidade.

Tal prática é denominada por: “sharenting” – termo em inglês que combina as palavras “share” e “parenting” e vem com consequências de longo prazo na vida dos menores.

A criança e o adolescente não devem ter vida pública nas redes sociais. Não sabemos quem está do outro lado da tela. O conteúdo compartilhado publicamente por falta de critérios de segurança e privacidade pode ser distorcido e adulterado por predadores em crimes de violência e abusos nas redes internacionais de pedofilia ou pornografia.

Estudo feito nos EUA aponta que uso das telas e redes sociais por crianças de até 8 anos aumentou 17% no dois últimos anos; especialistas alertam sobre riscos do uso excessivo das telas e dizem que é importante pensarmos sobre as coisas que as crianças estão deixando de fazer na infância ( estudo realizado pela Common Sense Media).

Uma preocupação crescente, quando tocamos nesta temática, é a possibilidade de crimes sexuais aos menores, haja vista a exposição de uma criança em fotos com pouca roupa.

A exposição nas redes, com postagens mostrando “check in” em lugares públicos, danças com poses sensuais em rede internacional, abre um preocupante acesso à pedofilia, a predadores sexuais, não somente na chamada “deep web”, mas também a “estranhos sem rosto, sem identidade".

Muito em parte pela facilidade de disseminação de fotos e vídeos envolvendo crianças e adolescentes.

Não cabe às crianças escolher o que será publicado sobre elas, mas sim aos pais garantir o respeito e a segurança delas, como consequência do Poder Familiar (art. 1.630 do Código Civil) e da Proteção Integral do Menor prevista nas disposições preliminares do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 1ºa 6º do ECA).

A proteção à imagem está consolidada em nossa Carta Magna, em seu artigo 5º, X como uma regra de preservação da imagem que, em consonância com os art. 12 e 20 do Código Civil, estabelecem a possibilidade de proibição de divulgação da imagem, como medida protetiva ante os riscos da exposição da imagem infantil.

Processualmente, a tutela inibitória tem sido um meio utilizado nesses casos:

Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.
Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo.

Neste sentido, uma eventual postagem sobre criança sem autorização dos pais, admite a concessão específica da tutela independentemente de dano, culpa ou dolo. Essa questão, inclusive já começa a aparecer nos Tribunais Brasileiros:

Em São Paulo, os pais de uma menor ingressaram com ação contra a provedora de internet, Terra Network Brasil S. A. E contra o criador de weblogger que hospeda, Lear Web Solution Consultoria e Informática Ltda, para que cessassem a veiculação de imagens da menor pela internet, bem como comentários a seu respeito. O juiz ordenou que cessassem as veiculações de imagens e comentários sobre as fotos e a menina, fixando multa diária de R$ 10.000,00, em caso de não cumprimento. Terra Networks Brasil S. A. Agravou da decisão, tendo a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negado provimento ao recurso “Internet e direito de intimidade :art. 5º, V e X, da CF, e 12, do CC, de 2002]- Tutela antecipada emitida para que o provedor de acesso à Internet e o proprietário do site criado para "bate-papo": chafj concretizem medidas efetivas para retirada de nu fotográfico de jovem de doze anos de idade, sob pena de multa e conversão em indenização por perdas e danos [art. 461, § 2o, do CPC] - Provocação de ilegitimidade passiva ad causam do provedor infundada - Não provimento. [TJSP. Agravo de Instrumento nº 381.078-4/0. 4ª Câm. Dir. Priv, ac. De 7 abr. 2005, Rel. Des. Ênio Zuliani. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=2100341&vl
Captcha=qsnfj>”

Além da pedofilia e crimes sexuais, as redes sociais apresentam riscos diversos que não se restringem a estes, como a instigação ao suicídio ou ao cometimento de atos de violência.
Desse modo, é importante ampliar o escopo da proteção, inclusive foi feito um substitutivo a um PL proposto pela Deputada Federal Paula Belmonte, ao Projeto de Lei 5810/19, no sentido de orientar uma navegação segura nas redes às crianças e adolescentes, com previsão no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).

Inclusive, cabe reforçar cinco direitos fundamentais da criança e do adolescente:
• Direito à vida e à saúde;
• Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade;
• Direito à convivência familiar e comunitária;
• Direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; • Direito à profissionalização e à proteção no trabalho.

Neste sentido, temos a exposição exagerada de informações sobre crianças, como uma verdadeira ameaça à intimidade, vida privada e direito à imagem, como dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Temos a chamada “Doutrina da Proteção Integral” no direito brasileiro, a qual se fundamenta em três pilares básicos, quais sejam:
1-crianças e adolescentes são sujeitos de direitos;
2- condição própria de pessoa em desenvolvimento; 3- prioridade absoluta na garantia dos seus direitos.
A Constituição Federal, em seu artigo 227, prevê que cabe à família assegurar à criança diversos direitos, entre eles o lazer, à dignidade, à liberdade, colocar a salvo de qualquer exploração e outros.
Tal princípio está incluído no Princípio maior, visto como uma Paradigma legal, qual seja, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana:
O princípio da dignidade da pessoa humana se refere à garantia das necessidades vitais de cada indivíduo, ou seja, um valor intrínseco como um todo. É um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, nos termos do artigo 1º, III da Constituição Federal, sendo fundamento basilar da República.

O aumento do uso das telas, impulsionado na Pandemia, foi um dos fatores determinantes para que os números crescessem de maneira
tão alarmante nos últimos dois anos, em conjunto com a falta de supervisão de responsáveis.
Torna-se muito preocupante o fato de que crianças com menos de 13 anos estejam usando as mídias sociais. As plataformas de mídia social geralmente incluem conteúdo gráfico e assustador que as crianças pequenas não estão prontas para ver.

As crianças podem se deparar com pornografia, imagens de automutilação ou postagens que promovam a alimentação desordenada, por acessarem as plataformas com conteúdos adultos tão precocemente, as crianças não têm discernimento para entender aquilo que é real e falso. A desinformação é uma verdadeira ameaça, com consequências que podem tornar-se desastrosas, como o suicídio, estimulado por desafios postados nas redes.

O chamado “sharenting” – termo em inglês que combina as palavras “share” e “parenting” é crescente, mas que pode ter consequências de longo prazo na vida dos menores. “A criança e o adolescente não devem ter vida pública nas redes sociais. Não sabemos quem está do outro lado da tela. O conteúdo compartilhado publicamente por falta de critérios de segurança e privacidade pode afetar drasticamente a vida da criança.

Tal conduta, configura uma forma de exploração comercial da criança, principalmente por seus genitores, que buscam lucrar com a publicação de vídeos mostrando brinquedos e roupas, estimulando as marcas, deve ser “ freada” pelo Poder Público e regularizado o acesso.

No Brasil ainda não existem medidas legislativas que regulem a privacidade das crianças pelos provedores de internet. Logo, o ato de publicar de uma foto aparentemente simples pode ter diversas interpretações e prejuízos, mesmo anos após a postagem.

Nos EUA temos uma lei a Children's Online Privacy Protection Act (Coppa), instituída, em 1998, para a proteção de dados e regulação de exposição das crianças menores de 13 anos na internet, aqui no Brasil não possuímos uma com esse objeto, temos a LGPD, mas não de uma forma específica para a exposição de menores nas redes.

Importante destacarmos, que mesmo ainda não havendo legislação reguladora, a obrigação dos genitores, é estabelecida desde o nascituro, com o dever de cuidado dos pais, sendo necessário sempre a observância de condições que privilegiem o desenvolvimento físico e psíquico do menor.
Caberá sempre a analogia com os institutos legais já existentes, a fim de resguardar e proteger direitos constitucionalmente existentes, como por exemplo, o da privacidade, bem como a busca de políticas públicas de conscientização de que as redes sociais, bem como os dados compartilhados nela, podem acarretar grandes danos, não só na esfera civil, mas também na esfera criminal.

A necessidade de o Poder Legislativo criar normas regulamentadoras de privacidade, redes e acesso a menores, se faz cada dia mais urgente, uma vez que o acesso a estes meios está cada dia mais cedo e a quantidade de informação compartilhada é preocupante.

As postagens da criança, a título de comercialização de bens móveis, não tem qualquer regulamentação, ela simplesmente passa por aquilo que os pais assim o querem, sem qualquer controle de sua saúde mental, liberação judicial para excetuar a função ou indo contra a legislação acerca do trabalho infantil e outros mais.

A divulgação da imagem infantil vinculada à alguma propaganda, sorteio, ou qualquer outra coisa online que lhe gere renda, deve ser considerada como um trabalho.

Reiterando, no Brasil, temos conforme a previsão tanto do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Carta Magna (CF/88), os menores de 12 anos, por serem absolutamente incapazes, não podem ser destinatários de qualquer tipo ou forma de comunicação mercadológica, publicitária, inclusive no ambiente digital. A própria LGDP, prevê especificamente que os dados de menores somente podem ser disponibilizados por seus genitores, tendo em vista o próprio dever de cuidado dos pais.

Um paradigma a ser observado no Brasil, é o chamado “ Information Commissioner’s Officer do Reino Unido: Age appropriate design”, que consiste em um código a ser aplicado no tocante o uso dos serviços digitais por crianças e adolescentes, buscando não somente a proteção de menores no mundo digital, mas também “ dentro do mundo digital”.

A tecnologia, redes e aplicativos já fazem parte da população como um todo, incluindo as crianças e adolescentes, não há como pensarmos em vedar o acesso às mídias, uma vez que desde a Pandemia, a rotina escolar se vê inserida no mundo digital e isto é um caminho sem volta. Por isso a necessidade de Políticas Públicas e iniciativas legislativas, a fim de proteger nossas crianças.

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