Artigo da advogada e administradora de empresas,
Dra Isolda Berwanger Bohrer, associada do IARGS
Um novo relacionamento pode ser breve ou duradouro, pode ser apenas um namoro ou mais que isso, uma união estável ou um casamento. Um adágio popular diz que no coração não se manda. Se não mandam nos seus sentimentos, os novos conviventes, ao menos, têm a possibilidade de preverem quais compromissos entre si queiram determinar.
O motivo de entender a intenção de cada pessoa em uma nova parceria afetiva é essencial. As referências ao afeto são recentes no sistema jurídico, e os debates sobre o assunto nascem das necessidades sociais e humanas. Uns desejam apenas um relacionamento afetivo, enquanto outros, um vínculo mais forte com o objetivo de constituir família.
Diferentemente dos tempos atuais, onde já existe uma pluralização das relações familiares, a formação da família se dava, tradicionalmente, somente através do casamento. As relações de afeto distintas do casamento não mereciam proteção em épocas passadas.[1]
Os pares que resolvem assinar um contrato de casamento contam com relativa proteção jurídica, pois subsistem em nosso ordenamento constitucional os ideais monogâmicos, impedindo o reconhecimento de multiplicidades de vínculos de afeto,[2] ainda conforme recente tese em grau de repercussão geral.[3] Já os solteiros, os viúvos, os separados, descasados, os menores de 70 anos[4] ou simplesmente desimpedidos de casar são aqueles que mais necessitariam atentar para os prováveis efeitos familiares ou sucessórios ab initio, caso desejarem determinar o futuro direcionamento dos seus bens patrimoniais.
O casamento, entidade familiar oriunda de um ato jurídico formal,[5] não deixa dúvidas quanto ao início do recíproco compromisso e quanto ao regime de bens adotado pelo casal cujos efeitos, patrimoniais e não patrimoniais, são emanados pela certidão. As demais formas de constituir família, como união estável ou família monoparental, são situações fáticas reconhecidas pelo direito, consideradas atos-fatos jurídicos. Lembrando uma lição de Pontes de Miranda, ato-fato jurídico é aquele em que a vontade está em sua gênese, mas o direito a desconsidera e apenas atribui juridicidade ao fato resultante, ou seja, uma simples constatação de fatos.[6]
O paradigma estatal da monogamia pode vir a ser superado, em algumas situações existentes, conforme parte da doutrina, que pede revisão a esta obediência a qual nega a realidade da existência de múltiplas conjugalidades frutos da sociedade contemporânea.[7] A situação dos casados de ter e não assumir uma relação de afeto paralela pode até trazer uma certa imunidade, assunto longe de ser pacífico e que ainda aguarda um amadurecimento doutrinário e jurisprudencial.[8]
A necessidade da regularização do relacionamento tornou-se mais evidente com o reconhecimento da equiparação da união estável ao casamento.[9] No entanto, o Ministro Luís Roberto Barroso não esconde que existem diferenças entre o matrimônio e a união estável. Concorda por igual Anderson Schreiber, dizendo que a união estável se constitui de forma espontânea e informal, ao passo que o casamento é disciplinado por solenidade e publicidade.[10]
Ao contrário do casamento, a união estável possui ausência de contornos mais nítidos, e estes, por sua vez, fazem com que a entidade familiar e o namoro apareçam separados por uma linha tênue, quase imperceptível. Até mesmo os autores desfavoráveis ao contrato de namoro admitem que a diferença entre as entidades é nebulosa. Certamente, isso será ainda potencializado se o que estiver em jogo for um namoro qualificado.[11]
Importante salientar o fato de que a possibilidade de alteração no regime de bens, com os efeitos ex tunc, em a uma união preexistente, ou seja, no curso da união, deve sempre preservar o direito de terceiros, cabendo ao julgador prestar a atenção devida às inúmeras possibilidades de fraudes diante dos declarados efeitos retroativos.[12]
Diante das tantas possibilidades que o caminho de um novo relacionamento pode seguir e, levando em consideração os efeitos sucessórios que uma nova relação pode acarretar, melhor convencionar e adequar regras que digam respeito em especial à vida patrimonial de seus integrantes.
É importante a decisão quanto ao futuro das novas relações, inclusive no sentido de evitar o contínuo crescimento das judicializações na área do Direito de Família, as quais figuram como a terceira causa que motiva o cidadão brasileiro a buscar o Poder Judiciário. Sem falar na grande carga de envolvimento emocional, o litígio familiar subsiste além dos limites jurídicos.[13]
Por todos esses aspectos e por todas as consequências jurídicas que um novo relacionamento afetivo possa resultar, o melhor seria, aos que desejam ter uma vida em comum, principalmente aos já estabelecidos ou com vínculos anteriores, determinar o convívio dentro daqueles limites desejados. Portanto, melhor prevenir que remediar.
[1] FARIAS, Cristiano Chaves de., ROSA, Conrado Paulino da. Teoria Geral do Afeto. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 46 a 48.
Artigo- Um Novo Relacionamento e sua Formalização
[2] RE 883.168, proveniente do TRF4, de Santa Catarina, tese proposta pelo Ministro Dias Toffoli do STF.
[3] Apreciação do Tema 529 da repercussão geral, fixada a seguinte tese: "A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro".
[4] Art. 1.641 CCB.
[5] XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de Namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 99.
[6] Idem. p. 100.
[7] MADALENO, Rolf. Sucessão Legítima. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 465.
[8] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume 6: Direito de Família. 10. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 465.
[9] RE646.721/RS e RE 878.694/MG: O STF firmou a tese de inconstitucionalidade de distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no Art. 1.790 do CCB, devendo ser aplicadas tanto nas hipóteses de casamento como nas de união estável, o regime do Art. 1.829 do CCB.
[10] MADALENO, Rolf. Sucessão Legítima. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 336.
[11] XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de Namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 98.
[12] MADALENO, Rolf. MADALENO, Ana Carolina Carpes. MADALENO, Rafael. Fraude no Direito de Família e Sucessões. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 123.
[13] XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de Namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 70 e 71.
Nenhum comentário:
Postar um comentário