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terça-feira, 14 de julho de 2020

Considerações iniciais sobre o contrato de namoro



Artigo da advogada e associada do IARGS, Dra Mônica Guazzelli

Tema: Considerações iniciais sobre o contrato de namoro

Hodiernamente, em vários casos se revela bastante difícil realizar uma clara diferenciação entre uma relação de namoro e de união estável. A fronteira torna-se nebulosa porque, contemporaneamente, os namoros são bem mais livres que outrora e, sobretudo quando se dá entre dois adultos, compreendem a convivência com pernoites na casa de um e de outro; viagens em conjunto e até mesmo alguns períodos de coabitação. 

Desta forma, os namoros entre adultos permitem a vivência de uma grande intimidade entre o par, mas isso não significa que o vínculo detenha os requisitos estabelecidos por lei (Art. 1.723 C.C.) para a configuração de uma união estável, especialmente a intenção de formação de entidade familiar, a affecttio maritallis. 

Ora, se não está presente essa formação de família e sem que haja entre os membros um pleno e irrestrito apoio moral e material, não se fala ainda de uma união estável entre seus componentes, mas de um namoro que visa a justamente realizar uma experimentação e conhecimento entre as pessoas, previamente a um relacionamento mais sério. 

Acontece que havendo o reconhecimento de uma união estável, ou se esta for declarada inexistente, diferentes serão as consequências jurídicas aplicáveis. Cita-se como exemplo a possível divisão de patrimônio adquirido no curso da relação; pode ainda ocorrer a eventual condenação ao pagamento de alimentos e também poderá o(a) companheiro(a) ser declarado herdeiro do outro acaso algum deles venha a óbito, ou ainda ser nomeado seu curador, em caso do surgimento de incapacidade. Vale dizer, são amplas e sérias as várias consequências que podem advir conforme seja o relacionamento juridicamente reconhecido e, por isso, entende-se absolutamente legítimo, possa o par delimitar o tipo de vínculo vivenciado entre si, para afastar tais incidências de sua relação. 

Os namoros entre adolescentes não compõem o universo da presente abordagem, pois geralmente não resultam em consequências jurídicas mais sérias, bem como geralmente não acontece de formarem patrimônio durante a relação ou que haja compromisso financeiro entre os namorados que possa ser discutido futuramente. Trata-se aqui de pessoas adultas, muitas vezes já maduras e estabelecidas, outras até com prole advinda de vínculos anteriores desfeitos, as quais decidem experimentar uma segunda ou terceira tentativa de relacionamento, mas ainda não optaram por se unir em uma nova vida familiar com este novo alguém. 

Estas pessoas vivem e pretendem viver um namoro e nada além, isto é, um relacionamento afetivo em fase de verdadeira experimentação anterior a uma decisão por uma vida em conjugalidade. 

Absolutamente legítimo pois, assegurar a essas pessoas o direito de poderem se conhecer mais profundamente e investir afetivamente em um novo relacionamento, sem que precisem absorver as preocupações que derivariam de uma ruptura, acaso este vínculo fosse entendido como uma união estável. 

Nada justifica que um namoro entre adultos não possa ser definido exatamente como se apresenta, ou seja, um relacionamento baseado no afeto, sem um entrelaçamento pleno de suas vidas e ou finanças, cada uma tomando conta de seus bens e negócios individualmente, mas podendo experimentar uma vida de afeto comum, sem que isso os obrigue a, em um futuro próximo, se submeterem a repercussões jurídicas que podem não ser desejadas por um ou ambos. 

O contrato de namoro não possui previsão específica no ordenamento, contudo, tampouco é vedado pela ordem legal, e uma vez presentes os requisitos para o negócio jurídico (art. 104 C.C.) o contrato será válido. 

Portanto, nos parece absolutamente viável que os casais, em face da autonomia de vontade e da liberdade de pactuar entre si, possam entabular em um contrato de namoro que visam se relacionar, estabelecendo a dimensão exata do tipo de relacionamento que mantêm e pretendem. 

Muitos ainda referem a ineficácia dos contratos de namoro[1], contudo, se esta é realmente a situação fática por eles vivenciada, porque não poder dar eficácia a esta combinação? 

É verdade que há casos em que o contrato de namoro visa a negar a realidade da presença de vida em comum já com características de uma união estável. Não estamos falando dessas hipóteses, mas de um namoro, pura e simplesmente, de um vínculo afetivo que ainda não detém os requisitos básicos de uma entidade familiar estavelmente estabelecida. 

Os relacionamentos, como tantas outras realidades contemporâneas, têm se modificado com muita rapidez e são estabelecidos de diferentes formas e formatos, sendo importante que a interpretação jurídica desses vínculos seja devidamente adequada à situação fática real vivenciada pelo casal. 

Muito ainda se tem a dizer a respeito dos contratos de namoro[2], mas aqui nesse limitado espaço, em conclusão, se defende a possibilidade das pessoas poderem convencionar legitimamente acerca da relação que vivenciam, dentro dos limites daquilo que desejam, desde que isso reflita a realidade por eles vivida, evitando assim viver uma relação afetiva que possa trazer indesejadas consequências jurídicas. 



[1] Dias, Maria Berenice. Manual do Direito das Familias. 9ª. edição São Paulo, Revista dos Tribunais 2013, p.353.

[2] Nesse sentido, vide Torres, Gláucia Cardoso Teixeira. O Contrato de Namoro e sua (In)Eficácia Jurídica no Ordenamento Brasileiro. REBVISTA IBDFAM, Família e Sucessões, nº 38, p. 34. Ronner Botelho Editor. MAR/ABR 2020.

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