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terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Obrigação Alimentar e a Pessoa Jurídica: Responsabilidades Diversas

 

Artigo da advogada Camila Victorazzi Martta, associada do IARGS e Mestre em Direito pela PUC/RS
Tema: Obrigação Alimentar e a Pessoa Jurídica: Responsabilidades Diversas 

Mesmo que se tenha abandonado a concepção institucional de família para se adotar o conceito de que é um nicho de afeto, proteção e desenvolvimento do ser humano, ainda assim, quando se fala em pensão alimentícia, existe a preocupação sobre o quanto, mas também sobre o como, ou seja, sobre como se dará o cumprimento dessa obrigação, que deveria ser algo inerente à própria ideia protetiva. 

Tanto é verdade que é um alívio ao alimentado quando o alimentante é empregado ou servidor público, cujo pagamento da pensão alimentícia será realizado por meio de desconto em folha. 

Diferente é a situação em que o alimentante é profissional liberal ou autônomo, ocasião em que o pagamento fica dependente, não apenas da existência do dinheiro, mas também e, especialmente, da sua vontade em realmente liberar-se dessa obrigação. Situação comum, mas que vai de encontro com a ideia protetiva da família. 

Vale lembrar que alimentos podem ser conceituados como tudo o que se afigurar necessário para a manutenção de uma pessoa humana, compreendidos os mais diferentes valores necessários para uma vida digna.[1]

Uma vez confirmada a obrigação alimentar surge uma segunda preocupação: o seu pontual cumprimento. Lógico! O alimentante anda acompanhado do “diabinho” da ameaça da prisão civil em caso de descumprimento. Enquanto isso, o alimentando segue a vida ao lado do “anjinho” decorrente desse permissivo legal como uma garantia de cumprimento da referida obrigação. 

Nada obstante a isso, a tranquilidade do alimentando se enaltece quando o cumprimento da obrigação alimentar é transferido à pessoa jurídica, empregadora do alimentante. Com efeito, a chance de pontualidade e certeza fica muito maior. 

Mas, e quando o desconto se dá de forma errada? Há claramente um descumprimento de ordem judicial. Qual a responsabilidade da empresa que desconta e repassa valor a menor? Sem adentrar no aspecto penal, que também pode aparecer, o presente texto restringe-se à matéria cível. 

Afinal, nessa situação específica, quem é o responsável pelo fiel cumprimento da obrigação alimentar? O alimentante, a empresa ou ambos? 

Não se deve esquecer que a obrigação alimentar é de responsabilidade única e exclusiva do alimentante, pois, dentre as suas características, destacam-se o caráter personalíssimo das partes e a intransmissibilidade dessa obrigação. Assim, a pessoa jurídica que operacionaliza o desconto e o repasse da pensão não responde solidariamente com o devedor no tocante à verba alimentar. 

Entretanto, a pessoa jurídica que desconta de forma errada descumpre ordem judicial. O descumprimento da ordem judicial leva a questão ao campo da responsabilidade civil extracontratual subjetiva e, nesse sentido, é preciso verificar a conduta do agente, o dano e o nexo causal. 

A responsabilidade extracontratual subjetiva é aquela decorrente da lei ou de outra fonte que não o contrato. Vale destacar que ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltando com o dever de cautela ao agir.[2] Aí surge a culpa, ou seja, a responsabilidade subjetiva sempre irá depender da análise da culpa do agente. 

Para que seja devida qualquer indenização, é necessário que se reúnam três pressupostos, previstos nos artigos 186 e 927 do CC[3]: (a) conduta, omissiva ou comissiva, culposa do agente, (b) dano e (c) nexo causal entre a primeira e o segundo. 

Ilustra-se o tema com julgado deste ano do nosso egrégio Tribunal de Justiça, em que o relator destaca: 

“...que não se está atribuindo à demandada a responsabilidade pela inadimplência do devedor, o que, por certo, não seria cabível. A então empregadora do alimentante deve responder, sim, pela falta de implementação do desconto em folha, considerando que recebera ordem judicial para realizar os respectivos descontos e assim não o fez.(...) Por outro lado, tal circunstância privou a autora, menor, da percepção de parcela alimentar, importância evidentemente indisponível, sendo evidente que tal fato importa em prejuízo irreparável ao alimentando, independente do valor ou da condição financeira das partes. Diante disto, inequívoca a desídia da apelante, o seu dever indenizatório é inequívoco, pois a não prestação de alimentos, acarreta, por si só, um dano “in re ipsa” e esta foi a consequência do ato ilícito consistente no descumprimento injustificado da ordem judicial. O dano também é induvidoso, porquanto se está a tratar de verba alimentar, essencial à sobrevivência da autora, que se viu privada do dinheiro necessário a sua mantença.”[4]

Por derradeiro, é importante frisar que a competência para o exame da responsabilização da pessoa jurídica é do juízo cível, e não o juízo de família, ainda que seja decorrente de uma obrigação alimentar. 


[1] FARIAS, Chirstiano Chaves de. ROSENVALD. Nelson. Curso de Direito Civil: Família. 11.ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 376. 

[2] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2007.p. 16. 

[3] Art. 186 do CCB. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 

Art. 927 do CCB. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 

[4] Apelação Cível, Nº 70083194092, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em: 20-02-2020).

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