“As diferenças entre união estável e namoro na interpretação do TJRS” foi o tema da palestra proferida pelo advogado Diego Silveira, também estreante no Grupo de Estudos de Doreito de Família do IARGS, hoje, dia 22/10, sendo recepcionado pela diretora Ana Lúcia Piccoli.
Ao analisar os institutos do namoro e da união estável, Dr Diego abordou as condições de cada um e como a jurisprudência, em especial do TJRS, aprecia os requisitos caracterizadores de ambos, incluindo regras, efeitos patrimoniais, as partes envolvidas e a forma de tutelar a autonomia da vontade das pessoas para constituírem suas relações amorosas.
Na atualidade, disse, a vida é muito dinâmica e gera uma espécie de relações amorosas, por vezes, instantâneas, intensas e não duráveis: “vivemos em uma sociedade em que o ‘ficar’ é natural e que as redes sociais constituem uma ferramenta para a aproximação da pessoa a ser conquistada”. Assim sendo, observou, os velhos costumes de namoro lento, de só pegar na mão ou de mal trocar olhares no portão da casa ou de namorar no sofá, sob os olhares protetivos do pai da namorada, tornaram-se obsoletos.
Dr Diego lembrou que, hoje, uma expressiva fatia da população brasileira vive em união estável, sendo que o “morar junto” virou uma rotina na vida das pessoas e, cada vez mais, a união começa com prazo reduzido de tempo prévio à união estável. Assim sendo, destacou que os relacionamentos amorosos atuais possuem limites tênues. Como exemplo questionou se o(a) namorado(a) que passa três dias na semana (sexta a domingo) na casa do(a) namorado(a) é considerado namoro ou união estável.
Indagou, também, se o casal que passa férias junto ou que faz viagens nacionais e/ou internacionais está vivendo um namoro ou uma convivência estável. Mencionou quem possui a intenção de manter um relacionamento amoroso, mas sem a intenção de compartilhar a vida sob o mesmo teto e sem querer misturar o patrimônio.
Diante dessas incertezas, esclareceu que cresce entre os operadores do Direito a discussão sobre a possibilidade das pessoas pactuarem contratos de namoro para evitar que a relação amorosa vivida pelo casal possa ser interpretada por terceiros como uma união estável ou namoro qualificado.
Nesta linha de raciocínio, Dr Diego acentuou um ponto controvertido e que enseja uma reflexão crítica sobre como deve ser enquadrado no mundo jurídico: “status de relacionamento sério no Facebook ou postagens românticas não constituem provas cabais da existência de uma união estável”.
Destacou que tal decisão repercutiu nas próprias redes sociais, pois a grande maioria das pessoas que aponta seu relacionamento como sério no Facebook, manifesta a vontade de ter um namoro e não uma união estável. “Assim como uma postagem em uma rede social é uma prova, a vontade externada em um contrato de namoro ou de uma escritura pública declaratória de namoro também deve ser valorada e respeitada”, opinou.
Dr Diego esclareceu que os contratos de namoros são pactos que devem ter validade no mundo jurídico e não são, em regra geral, maculados pela nulidade de tentar fraudar lei imperativa. “A situação fática é que vai definir se existia uma união estável ou se havia um namoro, preservando, assim, a autonomia da vontade das pessoas”, referiu.
Assim, explicou, o contrato de namoro e a escritura pública declaratória de namoro não devem ser interpretados como atos inválidos, sem que se investigue a vontade das partes. “O namoro é uma instituição de relacionamento interpessoal não moderna, que tem como função a experimentação sentimental e/ou sexual entre duas pessoas através da troca de conhecimentos e uma vivência com um grau de comprometimento inferior à do matrimônio”, afirmou, lembrando que a grande maioria utiliza o namoro como pré-condição para o estabelecimento de um noivado ou casamento.
Tendo em vista, a dificuldade de diferenciar na sociedade o namoro e a união estável e em virtude dos efeitos patrimoniais, alimentares e sucessórios que a união estável possui, atualmente, muitos casais de namorados têm pactuado contratos de namoro para definir a relação como um namoro e para não gerar efeitos jurídicos ao relacionamento.
Todavia, advertiu que a união estável é um fato e assim deve ser interpretada, não bastando um documento para apontar a existência de uma relação, “pois, mesmo existindo um contrato de namoro se a prova for substancial no sentido de que existia uma união estável, uma demanda declaratória de união estável, provavelmente, será julgada procedente”.
Esclareceu o advogado que os contratos de namoros têm sido utilizados pelos casais, especialmente pelos namorados que já possuem uma vida financeira independente e que já tiveram outros relacionamentos no passado, a fim de não misturar o patrimônio amealhado anteriormente.
“A escritura ou contrato de namoro tem sido objeto de discussões na doutrina brasileira, pois o contrato tem a finalidade de afastar consectários legais, especialmente patrimoniais e alimentares”, sustentou, alertando que o contrato de namoro é um negócio jurídico e, consequentemente, deve contemplar os três planos dos negócios: existência, validade e eficácia.
Ressaltou que o art. 104 do Código Civil Brasileiro estabelece que a validade de qualquer negócio jurídico depende de três requisitos: capacidade; objeto ser lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não proibida pela legislação. Dessa forma, explanou que a pactuação particular de um contrato de namoro ou a lavratura de uma escritura pública declaratória de namoro tem validade jurídica, podendo constituir uma prova do marco da união estável.
Levando em consideração a autonomia da vontade das partes na definição de optar por um contrato em relacionamento amoroso, o Dr Diego questiona se o Estado pode se envolver na vida das pessoas: “Será que devemos tutelar a autonomia da vontade das pessoas e primar pela intervenção mínima do Estado nas relações amorosas?”
Partindo desta premissa, orientou aos operadores do Direito e das áreas interdisciplinares a análise cuidadosa dos requisitos da união estável em cada caso concreto, sob pena de se reconhecer uma união estável quando, na verdade, existia um namoro. Assim, argumentou, o contrato de namoro e a escritura pública declaratória de namoro, por si só, não devem ser interpretados como atos inválidos, sem que se investigue a vontade das partes.
Por conseguinte, disse, as relações amorosas possuem muitas facetas e que podem ser conceituadas como: namoro e o namoro qualificado, o qual se assemelha à união estável, contudo, não possuindo repercussões jurídicas patrimoniais, sucessórias e/ou alimentares.
Portanto, explicou, a união estável é configurada quando há uma relação pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família, sendo que todos esses requisitos devem estar presentes para que seja possível reconhecer a relação como entidade familiar denominada de união estável.
Quanto aos litígios que envolvem a discussão entre o namoro e a união estável e como eles são julgados pelo TJRS, o Dr Diego elencou o art. 1.723 do Código Civil, estabelecendo que a união estável entre homem e mulher é reconhecida como entidade familiar. Por outro lado, advertiu, é importante considerar a análise da jurisprudência a respeito do tema. Segundo o advogado, o TJRS prevê a competência de família para as 7ª e 8ª Câmaras Cíveis, “as quais têm tido uma interpretação bem restritiva dos requisitos caracterizadores da união, em especial, a publicidade, o ânimo de constituir família e a coabitação”.
Embora, a coabitação não seja um requisito legal, disse, o TJRS entende que essa é uma circunstância que deve estar presente para caracterizar a união estável ou a parte deve ter uma “forte” explicação para que os companheiros tenham residências separadas. “Assim, compete ao operador do Direito reconhecer a união estável quando da ausência de coabitação estiver justificada por razões de trabalho que exijam o exercício em regiões geograficamente distantes”, preveniu.
Dr Diego lembrou que um(a) namorado(a) pode almejar constituir uma família com a pessoa amada, mas pode optar em melhor conhecer o companheiro (a) para saber se é pessoa ideal para passar o resto da vida e ser pai/mãe de seus filhos.
Assim sendo, precaveu que o TJRS vem exigindo prova robusta para que seja configurada a relação como uma união estável, pois "se cada um tem seu canto e só passam juntos finais de semana, não é identificada uma união estável".
Sinalizou, ainda, que o TJRS tem indicado que uniões inferiores a um ano ou com alguns meses não constituem união estável. Além disso, informou que o mesmo Tribunal de Justiça não vem reconhecendo como união estável o fato de um casal passar junto finais de semana de forma frequente ou mesmo viajar, mas sim como namoro, conforme jurisprudência abordada na palestra.
Contudo, advertiu que essa é apenas uma percepção e aguarda-se que haja um caso paradigma para oferecer maior segurança jurídica a fim de que os operadores do Direito, especialmente os advogados, possam indicar a pactuação de contratos particulares de namoro ou a lavratura de escrituras públicas de declaração de namoro.
Até o momento, frisou o Dr Diego, não há jurisprudência sobre a validade ou não do contrato de namoro ou relacionado a litígios envolvendo a discussão sobre namoro e união estável.
Para concluir, enfatizou que a união estável é um instituto de extrema importância no ordenamento pátrio e as Cortes de Justiça, em especial o TJRS, têm tido um olhar restritivo ao julgar as demandas de declaração de união estável.
“Assim, compete aos operadores do Direito e das áreas interdisciplinares identificar as características de cada relação amorosa e situações fáticas com o olhar de que o mundo mudou e que compete ao intérprete ter uma nova perspectiva da família contemporânea, preservando a autonomia da vontade das partes e investigando se elas tinham um namoro ou uma união estável, até para evitar que uma das partes utilize, após a dissolução da união, a alegação de que o relacionamento era um namoro visando a se esquivar de efeitos jurídicos da união estável”, finalizou.
Terezinha Tarcitano
Assessora de Imprensa
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