Artigo do associado do IARGS, Dr. Marcus Vinícius Antunes,
professor de Direito Constitucional
Tema: Pelotas e Facundo, de Domingos Sarmiento
Domingos Sarmiento escreveu:
“Quando os fugitivos da Pradera encontram um rio, e Cooper descreve a misteriosa operação de Pawnie com o couro do búfalo que recolhe, me disse a mim mesmo: vai fazer a pelota. Lástima é que não haja uma mulher que a conduza, que entre nós são as mulheres que cruzam os rios com a pelota tomada com os dentes por um laço”.
Foi grande a minha surpresa. Justamente, a cidade em que nasci deve o nome a esse proceder, um costume que devia ter tempo, cruzar o rio com a pelota – feita de couro, do mesmo modo - puxada por um índio, nadando com a corda pelos dentes. Suponho apenas que eram homens que o faziam. Daí o nome da cidade de Pelotas.
Nesse trecho em excerto, Sarmiento se se reporta à leitura de O Último dos Moicanos, de James Cooper, obra que retrata o quadro da formação dos Estados Unidos, que pretende usar como elemento comparação com a formação da Argentina.
Teriam os europeus espanhóis transmitido essa prática aos luso europeus, ou estes aos Guaranis, Tapes, Charruas e Minuanos que ali habitavam? Ou os próprios índios, de diferentes nações transmitiram entre si o costume. Ou ainda, possibilidade que parece remota, os índios que povoavam a zona sul teriam inventado esse fazer, sem receber o ensinamento?
Domingos Sarmiento escreveu aquelas palavras em “Civilização e Barbárie, Vida de Juan Facundo Qiroga” ou simplesmente Facundo, em 1845, durante o exílio no Chile. Para Jorge Luis Borges, no prólogo da edição de 1974, a obra foi “a mais memorável de nossas letras”; para Miguel de Unamuno, o autor foi o mais importante de língua espanhola do século XIX. Sarmiento, opositor de Rosas, rival do Império do Brasil, elegeu-se Presidente em 1868. Facundo Qiroga, o caudilho exemplar da província de San Juan, foi assassinado em 1845, num período de guerra civil continuada.
Sarmiento faz análise étnica, sociológica e histórica da formação da Argentina. Apesar de achar – erradamente, como penso – que a colonização branca resolveria problemas decorrentes da incivilidade dos homens do pampa, faz vivíssima descrição do gaúcho.
Mas vamos à parte literária. Deixo em espanhol, pela beleza do estilo, na descrição dos tipos - o rastreador, o “baqueano”, o “gaucho malo”, o cantor. Reproduzo dois tipos.
O rastreador:
"El más conspícuo de todos, el más extraordinario, es el rastreador. Todos los gauchos del interior son rastreadores. En las llanuras tan dilatadas, en donde las sendas y caminos se cruzan en todas las direcciones, y los campos en que pacen o transitan las bestias son abiertos, es preciso saber las huellas de un animal y distinguirlas de entre mil, conocer si va despacio o ligero, suelto o tirado, cargado o de vacío. Esto es una ciencia casera y popular.". E logo depois: “ el péon que me conducia echó, como de costumbre, la vista al suelo. Aquí va –dijo luego –una mulita mora muy buena”…. O rastreador servia, muito frequentemente para sair em busca do autor de um furto ou roubo. A justiça, ao final, era sumária, no mais das vezes.
O gaucho malo
“Llámale el gaucho malo, sin que éste epíteto le desfavorezca de todo. La justicia do persigue desde muchos años; su nombre es temido, pronunciado en voz baja, pero sin odio y casi con respeto. Es un personaje misterioso; mora en la pampa; son su albergue los cardales; vive de perdices y mulitas; y si alguna vez quiere regalarse con una lengua, enlaza una vaca, la voltea solo, la mata, saca su bocado predilecto y abandona lo demás a las aves mortecinas”.
Aqui está a relação da lei com seus súditos.
“Depois de Sarmiento, Martin Fierro, de José Hernandes, diria, ao descrever de outra forma a tragédia pessoal e mística do pampa, junto com Dom Segundo Sombra: La ley es como el cuchillo, no ofende a quien lo maneja.”.
As semelhanças com o gaúcho rio-grandense são impressionantes. Não são casuais, com sabemos.
É o direito pelos distintos ângulos, e pelos costumes, visto por diferentes personagens.
De qualquer forma “Quem só sabe Direito, nem Direito sabe.”.
A frase de Pontes de Miranda me anima a escrever sobre a identidade cultural, para além das fronteiras. Nós, rio-grandenses sabemos disso.
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