No Grupo de Estudos de Direito de Família do IARGS de hoje, dia 20/08, a diretora Ana Lúcia Piccoli palestrou sobre o tema “Testamento, Testamento Vital e Testamento Virtual – Inovações”. A recepção foi feita pela diretora-adjunta do Grupo, Dra Liane Bestetti.
Inicialmente, a Dra Ana Lúcia fez um breve histórico relatando que, até bem pouco tempo, os testamentos eram feitos como há 100 anos atrás: escritos a mão em um livro. Contudo, informou que o sétimo Tabelionato foi o último a abolir esta prática, quando seu titular faleceu. Atualmente, esclareceu que os testamentos podem ser digitalizados, porém redigidos pelo tabelião em ato solene.
Diante disso, questiona sobre o porquê ainda não se poder utilizar um vídeo testamento ou virtual, no âmbito jurídico, com as últimas disposições de vontade de uma pessoa. “Seria a ressignifignificação de antigos instrumentos jurídicos para readequá-los à realidade tecnológica em que vivemos”, ressaltou. Inclusive, sugeriu que tanto a assinatura digital quanto a criptografia também pudessem ser utilizados. “Estamos cada vez mais na era do chamado ‘paperless’ ou sem papel”, acentuou.
Após o STF ter declarado, em 2017, a inconstitucionalidade do artigo 1790 do CC, a Dra Ana Lúcia lembrou que a união estável foi equiparada ao casamento. Assim sendo, advertiu que, de forma definitiva, deixou de existir o regime de separação de bens para a morte, eliminando a opção de regime de bens para aquele que deseja preservar o patrimônio adquirido anteriormente ao início da união estável. “Na herança recebida de sua família de origem, o companheiro ou companheira sobrevivente terá participação como herdeiro em quinhão igual ao dos filhos do falecido”, informou.
A partir desta inconstitucionalidade, destacou que houve aumento do uso do testamento como instrumento capaz de minimizar este efeito: “o testador coloca uma simples cláusula deixando a parte disponível dos seus bens para seus filhos, ou para quem quiser e, assim, consegue diminuir a participação do companheiro ou cônjuge sobrevivente nos seus bens particulares”.
“Claro que a forma solene do Testamento oferece grande segurança tanto ao testador como aos herdeiros. E, mesmo assim, temos nos nossos tribunais inúmeros processos de anulação de Testamento com base na ausência de um dos requisitos da solenidade”, explanou.
Como peculiaridades no Testamento, a Dra Ana Lúcia citou o reconhecimento de filhos por meio da cédula testamentária, em qualquer de suas modalidades; o desejo de estabelecer a filiação sócio afetiva; a permissão para autorizar a realização da fecundação artificial post mortem, ou mesmo a gestação de embriões excedentários; a possibilidade de se declarar à existência de união estável com seu consorte, facilitando o direito do sobrevivo à meação e herança; e a escolha de quais os bens devem compor o pagamento do quinhão de cada herdeiro.
Relacionado às exclusões, mencionou a de herdeiros legítimos, não necessários; e dos colaterais e/ou do Estado na participação hereditária. Quanto às restrições, a possibilidade de inserção de cláusulas restritivas sobre a legítima dos herdeiros necessários; a incomunicabilidade e a impenhorabilidade, ou apenas estas isoladamente; ou, por meio de cláusula de administração, que atribui, a pessoa escolhida pelo testador, a administração de bens deixados em favor de menor ou incapaz. Além disso, informou que o testador poderá estabelecer quais os bens devem vir a colação.
De acordo com a Dra Ana Lúcia, Testamento Vital, instruções prévias, declaração de vontade do paciente em fim de vida, Diretivas Antecipadas de Vontade ou Escritura Declaratória são algumas das nomenclaturas destinadas ao documento pelo qual a pessoa manifesta os próprios anseios acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos que se deseja ou não ser submetido, em caso de acometimento de doença ameaçadora da vida.
Tal declaração, observou, expressa a solicitação da pessoa enferma, feita enquanto estiver saudável e puder expressar sua vontade, para ser usada quando estiver impossibilitada de se expressar livremente por conta de seu grave estado de saúde e já fora de possibilidades terapêuticas.
“No Brasil, não existe ainda legislação formal sobre o tema e nem determinações legais para a formalização do testamento vital, no qual o testador/declarante poderá, além de estabelecer sua vontade para determinar como será o final de sua vida, nomear um procurador que ficará responsável por tomar decisões, cabendo a ele esclarecer dúvidas dos médicos quando o outorgante já não reunir condições de se manifestar”, explicou.
Ela lembrou do princípio da autonomia da vontade previsto na CF art. 5º II, proporcionando que as pessoas maiores e capazes são soberanas para decidirem sobre seus desejos, consolidando-os em contratos privados ou públicos, quando queira, até o limite da lei. No entender da advogada, o fato de não existir legislação específica sobre o tema no Brasil, não significa que o testamento vital não seja válido.
Acentuou, ainda, os princípios da Dignidade da Pessoa Humana na Constituição Brasileira, além da Autonomia Privada e a proibição constitucional de tratamento desumano. “Isso significa dizer que a Lei Maior do Brasil reconhece o direito à vida desde que esta seja digna, reconhecendo a autonomia da pessoa”, frisou.
Relacionado ao conteúdo do testamento, mencionou as chamadas diretivas antecipadas de vontade: um gênero de documentos de manifestação de vontade para cuidados e tratamentos médicos criado na década de 60 nos EUA. Esse gênero, assinalou, possui duas espécies: Testamento Vital e Mandato Duradouro que, quando previstos em um único documento, são chamados de Diretivas Antecipadas de Vontade.
Dentro deste universo de conteúdo, expôs a existência de três possibilidades: eutanásia (proibida pela legislação brasileira), também chamada de “boa morte” ou “morte apropriada”; distanásia, também chamada “obstinação terapêutica” e “futilidade médica”, quando, mesmo que o tratamento seja ineficaz e cause sofrimento ao paciente terminal, prolonga o processo de morte; e ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar o sofrimento do paciente (procedimento que pode ser incluído no testamento vital).
Para concluir, a Dra Ana Lúcia Piccoli argumentou que a Constituição institui o direito à vida, e não o dever à vida, “razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a cirurgia ou tratamento”.
Terezinha Tarcitano
Assessora de Imprensa
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