Artigo do associado do IARGS, Dr. Cassiano Santos Cabral, escritor, especialista em Direito Público e
servidor concursado do Ministério Público do Rio Grande do Sul
Tema: Os infratores menores e suas grandes infrações
De forma acertada, a teoria da proteção integral tem discutido acerca da ampliação dos direitos das crianças e adolescentes, tanto no cenário nacional quanto internacional, por meio de leis protetivas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal. Entretanto, nos últimos anos, temos assistido ao recrudescimento, de forma geométrica, de crimes cometidos por adolescentes, inclusive a nível cibernético. Assim, é preciso um olhar atento sobre os deveres dos adolescentes no seio social e familiar e, também, os reflexos negativos - de ordem patrimonial e psicológica - que o dano, oriundo da infração, atinge à vítima e, reflexamente, seus familiares e terceiros (dano em ricochete).
Se de um lado, o menor de idade é considerado inimputável, o que equivale a dizer que a ele não poderá ser imputada a prática de um crime, que pressupõe a incidência do binômio: descrição do tipo penal e pena aplicada; por outro, aquele estará sujeito não às penas, mas sim às medidas socioeducativas previstas nos artigos 112 a 128, do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando vier a praticar um ato infracional.
Mudam-se significativamente as nomenclaturas, ou seja, o adolescente não comete crime, mas ato infracional. Melhor explicando: não está sujeito ao cumprimento de penas, mas de medidas socioeducativas, não podendo ser chamado de réu, pois é qualificado processualmente como representado ou adolescente infrator. Mas e a vítima? A vítima é sempre a vítima, pois o roubo, a mão armada, praticado por um adolescente ou por um maior de idade, é exatamente o mesmo.
Sob outro prisma, é importante também referir que os adolescentes, muitas vezes, agindo a mando de uma organização criminosa, fazem o papel de executores de crimes bárbaros, como homicídios e tráfico de drogas, servindo como escudos de proteção da figura do mentor intelectual do crime, cuja responsabilização é certa à luz do art. 29 do Código Penal, que adota a teoria monista da ação.
A questão pautada não é a discussão quanto à redução da maioridade penal para 16 anos, o que implicaria na eclosão do sistema carcerário já colapsado e, sim, por meio de alteração legislativa, a viabilidade do aumento do cumprimento da execução da medida socioeducativa que, atualmente, é de três anos. Tempo este que, embora muito escasso, nunca é cumprido integralmente, pois, a cada seis meses, existem avaliações para fins de progressão para a medida subsequentemente mais branda da que fora anteriormente aplicada.
Em caso de infração - consumada ou tentada- com o cometimento de violência ou grave ameaça, como roubo, latrocínio ou homicídio, independente da primariedade, o adolescente deverá iniciar o cumprimento da medida em meio fechado: medida de internação (com ou sem possibilidade de atividades externas) e semiliberdade. Já em caso de infrações mais leves, quando não é o caso de remissão, o adolescente já inicia o cumprimento em regime aberto e, na grande maioria das vezes, são medidas de prestação de serviços à comunidade (prazo máximo de seis meses) ou de liberdade assistida (prazo mínimo de seis meses).
E os crimes de pedofilia? O art. 217- A do Código Penal considera estupro de vulnerável quando a vítima é menor de 14 anos. Nestes casos, a violência é presumida (a pena é de reclusão de oito a 15 anos). O art. 1º, VI, da Lei 8072/90 considera tal crime como hediondo, implicando no cumprimento inicial de regime fechado e de maior tempo da pena em relação a crimes menos graves para fins de obtenção de progressão de regime e livramento condicional. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente é explícito no art. 122, I, apontando que as infrações cometidas com violência ou grave ameaça estão sujeitas à internação (fechado). Ou seja, se o estupro é cometido por um adolescente contra outro adolescente menor de 14 anos, a violência é presumida e, sendo presumida, se sujeita à internação. A conclusão é de uma clareza solar. Na prática, entretanto, a menos que a perícia ateste laceração anal ou sinais de defloramento, raramente o adolescente estará sujeito a regime de internação, como se outras práticas que não deixam vestígios, a exemplo do sexo oral, não fossem também consideradas estupro pelo legislador e de acordo com a jurisprudência mais abalizada. Assim, não se pode conceber que o adolescente que cometa estupro de vulnerável sujeite-se a medida menos grave do que a internação, cuja avaliação de sua continuidade dar-se-á semestralmente. E, para agravar a situação, dependendo das circunstâncias, como a morosidade processual, o adolescente infrator sequer inicia o cumprimento da medida, pois o instituto da prescrição também é aplicável para os atos infracionais, nos termos da Súmula 338 do STJ.
Se de um lado o Estatuto da Criança e do Adolescente, na parte do ato infracional, prime pela ressocialização do adolescente - dado o seu caráter pedagógico, por outra perspectiva, é preciso debruçar-se para o fato de que as medidas aplicadas pelo exíguo prazo de cumprimento não têm cumprido com o seu fim colimado, haja vista que os índices de reincidência têm aumentado significativamente.
Entendemos que, tanto em relação ao tempo de avaliação da medida cumprida pelo adolescente quanto ao tempo máximo de seu cumprimento, estes merecem ser ampliados, pois os atuais seis meses e três anos, respectivamente, têm se mostrado ineficazes, já que os menores infratores já se encontram inseridos prematuramente na seara infracional. Gize-se que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que, excepcionalmente, o maior de 18 anos possa cumprir medida socioeducativa até os 21 anos de idade (desde que a infração tenha sido praticada antes de completar 18 anos), entendimento este já sumulado pelo STJ, por meio da Súmula 605.
Um maior tempo de cumprimento das medidas socioeducativas trará não só maiores benefícios à sociedade, como também ao próprio adolescente, que refletirá mais sobre o caráter ilícito de sua conduta, por intermédio de uma equipe multidisciplinar de apoio. Durante este prazo, poderá iniciar e concluir cursos profissionalizantes voltados ao mercado de trabalho, sem prejuízo da assistência psicológica e religiosa voltadas a sua futura e gradativa reinserção social.
Queremos respeito às diferenças, ao patrimônio público e privado, à integridade física e psicológica. Um mundo sem bullying entre jovens, crianças e professores. Um mundo com mais dignidade e melhor para se viver. Uma palavra? Paz!
Nenhum comentário:
Postar um comentário