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terça-feira, 20 de junho de 2023

Artigo- Crimes de perigo abstrato

Artigo do Desembargador Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira,
Autor de Justiça e Ética – Ensaios sobre o uso das Togas
Membro do Conselho Superior do IARGS
Tema: Crimes de perigo abstrato


Ao exame do direito penal moderno, não se pode ficar apenas na constatação de condutas causadoras de ofensa a bens jurídicos em que pese o obrigatório princípio da lesividade em Direito Penal. Deve-se ir além. Chega-se, então, a um fato que, por ele, se conclua haver ou não ofensa a bem jurídico. Ou que se constate haver ou não, no ato criminoso, elemento ligado ao princípio da ofensividade, necessário ao reconhecimento de um delito. Sem ofensividade o Direito Penal não atua.

Não havendo ofensa material, como ocorre na tentativa branca de homicídio, por exemplo, há de se reconhecer ter havido perigo efetivo de uma ofensa, como sustentam os estudiosos do fato punível. Nesse caso, na tentativa branca, sem ofensa material a um bem jurídico indicado no tipo penal, encontra- se um verdadeiro perigo relevante à vida, bem esse próximo de seu perecimento, segundo o princípio da ofensividade.

Tanto a ofensa como o perigo de ofensa devem estar presentes no fato, como elemento punível, em defesa da sacralidade de bens jurídicos. Não havendo ofensa nem perigo de ofensa, o direito penal não pode ser chamado a atuar. Há, porém, pouquíssimas exceções, como em certas condutas de fatos descritos apenas em palavras de lei penal, nos chamados crimes de mera conduta ou formais que nada ofendem, como as dos artigos 291 e 294 do Código Penal. Do mesmo modo sem nenhum dano previsto, no simples porte de arma de fogo. Neles não se encontra nem dano nem perigo de dano. São casos de aplicação de lei penal sem ofensividade ou como querem, de “ofensividade” apenas formal e com cominação de penas.

O crime de perigo abstrato é uma criação doutrinária que procura dar ao juiz um poder simplesmente intelectual, além daquilo que ele poderia ter, oferecendo-lhe condições de estabelecer normas de condutas puníveis, fora do alcance de uma ofensa real. O juiz não pode condenar criminalmente ninguém por algo abstrato, fruto de imaginação ou subjetivismo criador, e sim e apenas quando perante ele se demonstrar a existência de resultado ou situações concretas.

Desnecessário seria invocar o art. 5º da Constituição, em seu inciso XXXV, quando a Lei Magna quando estabelece deva o julgador basear-se em algo concreto: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Isto é, ao judiciário cabe apreciar lesão, sempre que enfrentar matéria criminal, segundo o obrigatório princípio da ofensividade.

Do mesmo modo, quando a referida norma refere ameaça a direito, deve o juízo em matéria penal ficar restrito também à ofensividade da ameaça. Somente em matéria extrapenal pode haver, eventualmente, ilícito cometido sem ofensa material.

Onde encontra-se ofensa à ordem jurídico-penal ou onde está a potencialidade de causar mal a alguém, por exemplo, num fato em que se desfere disparo de arma de fogo, em local absolutamente fechado e incomunicável? Isso seria capaz de ofender a ordem jurídica ou à ordem social causando perigo à incolumidade pessoal de alguém? Atingiria a sacralidade de importante bem jurídico? Existe, nisso, afronta ao princípio da ofensividade? Nada disso existiu; simplesmente não havia perigo concreto.

O perigo abstrato, nesse caso, pode estar na cabeça do julgador; jamais no fato a ser julgado. O concreto estará no fato, gerador de “perigo direto e iminente”, como consta do art.132 do Código Penal (o grande paradigma interpretativo) ou no art. 5°, inciso XXXV da Constituição, quando estabelece “ameaça”; a Norma Constitucional, descarta ameaça abstrata, pois toda ameaça em direito criminal é sempre concreta, como já se demonstro ao ofender o princípio da ofensividade.

Mesmo em se tratando de algo abstrato, muitas vezes se constata que, como ocorreu no exemplo aludido, demonstra-se impossível a ocorrência de “crime de perigo abstrato”. É contra isso que cabe a crítica em que se defende a necessária concretude do resultado ou do verdadeiro e concreto perigo. Por isso e outros fatos semelhantes e vários argumentos jurídicos, a solução será afastar condenações por crimes de perigo abstrato que nada ofendem.

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