A crise
política, crônica, no Brasil, na maior parte das Américas, e recentemente
introduzida nos Estados Unidos, bem como em outros países, veio, pari passu,
com a crise constitucional, que se arrasta também. Profusão de Emendas tentadas
e aprovadas, falta de efetividade constitucional, ativismo político judiciário,
judicialização da política, a crise interna do Supremo Tribunal Federal, em
debates com ofensas pessoais entre Ministros, a demorada prestação
jurisdicional, tudo isso e outros temas despertam ceticismo, de certo, mas
também a necessidade imperiosa de encontrar explicações. E alternativas.
A Constituição,
de modo elementar, é um documento jurídico dotado de supremacia formal, que disciplina
o poder do Estado, ainda que sobrevivam na imaginação jurídica as chamadas
costumeiras. Porém, por que a Constituição, sendo rígida, não é aquilo que muitos
manuais e autores de peso prometeram - um documento jurídico dotado de eficácia
(ou eficiência, fora da linguagem jurídica) e estabilidade, com a desejável
certeza jurídica?
Vale retomar um
debate, para iniciar uma reflexão.
Em 1863,
Ferdinand Lassalle, militante político, próximo então de Karl Marx, pronunciou
uma palestra, Über die Verfassung - Sobre a Constituição, que teve e tem
a virtude de ser acessível a um público maior do que o dos estudantes e
especialistas do direito constitucional. Num tempo de formalismo e positivismo
jurídico crescente, centrado na aceitação abstrata da norma posta, afirma que a
Constituição é uma questão de poder, uma “folha de papel” (ein Stük Papier), se
não está compatível com os fatores reais de poder, ou seja, as classes e
forças políticas e econômicas, e até culturais que se movem na base do fenômeno
constitucional. Lassalle estabelece distinção entre constituição real e constituição
nominal. E responde à indagação. “Quando podemos dizer que uma constituição
é boa e duradoura? A resposta é clara e parte logicamente de quanto temos
exposto: quando essa constituição escrita corresponder à constituição real e
tiver suas raízes nos fatores reais de poder que regem o país”.
Quase cem anos depois, Konrad Hesse,
professor e posteriormente integrante do Tribunal Constitucional alemão, de
1975 a 1987, publicou pequena obra intitulada a Força Normativa da Constituição
(Die normative Kraft der Verfassung), em que contesta a tese de Lassalle: a
Constituição não está inteiramente submetida a fatores reais de poder. Existe
uma força normativa da Constituição, se esta contém normas efetiváveis capaz
de conformar esses fatores, se houver vontade de Constituição, (Wille
zur Verfassung), por meio da consciência geral e dos que estão na esfera de
poder, que se transforma em força ativa, embora com limites. Dito de outra
maneira, o direito não está determinado de forma absoluta pela política nem
pela economia, embora submetido constantemente à pressão desses fatores (a
tensão entre Sein e Solen). A prova de força se dá não no tempo de
estabilidade, mas nas situações de crise, nos “tempos de necessidade”, como
escreveu Carl Schmitt, teórico do regime nacional socialista. Hesse propõe que
uma Constituição deva conter antíteses que se equilibrem, para espelhar os
conflitos reais, e que se contenham os ímpetos reformistas.
Não se avança
sobre o vencedor. O certo é que, como os dois autores expõem, o jurista tem de
encontrar soluções tanto no campo de “vontade de constituição”, como no campo
da política, para fazer que confluam.
Estas seriam talvez
as primeiras lições de direito constitucional com que deveríamos começar, não
as últimas. Mas são obras imprescindíveis.
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