A convidada da Reunião-Almoço do IARGS do mês de outubro foi a Desembargadora Maria Berenice Dias, cujo tema da palestra escolhido por ela foi “A ética nas relações familiares”. O encontro foi realizado hoje, dia 18/10, nas dependências do Hotel Plaza São Rafael. A anfitriã foi a presidente do instituto, Dra Sulamita Santos Cabral, a quem coube fazer a abertura do evento.
A Dra Maria Berenice afirmou, logo no início da sua preleção, seu grande vínculo afetivo com o IARGS, onde é associada há 25 anos. Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Direito das Famílias e Sucessões e vice-presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM), a magistrada destacou a importância do reencontro com os colegas no evento promovido pelo IARGS.
Na oportunidade, anunciou seu mais novo livro intitulado de “Intersexo”. Trata-se, conforme explicou, de uma obra que congrega não somente temas jurídicos, mas também médicos, psicológicos, sociais e culturais. “É a primeira obra do mundo que tem esta abrangência”, afirmou, destacando no livro um segmento que considera ser “absolutamente invisibilizado da sociedade, os chamados hermafroditas”.
A Desembargadora lembrou que foi ela quem escreveu o primeiro livro sobre Direito Homoafetivo no Brasil, no ano de 2000, pouco antes de o tribunal que ela integrava fazer o reconhecimento inédito no país de união estável entre dois homens. Por toda a sua bagagem, ao longo de 18 anos, optou pelo tópico afeto para ser abordado no encontro promovido pelo IARGS. Aliás, lembrou que, no seu entender, afeto, responsabilidade e ética são palavras sinônimas. “Este é um novo olhar, é a forma de se enxergar todos os compromissos que os vínculos afetivos geram, sejam da ordem que for: responsabilidades e deveres. Esta é uma postura ética”, acentuou.
Dessa forma, esclareceu que, se família é afeto, e se afeto gera responsabilidades, a função do Estado deixa de ser punitiva e excludente para ser abrangente, impondo obrigações, encargos e responsabilidades para quem se encontra dentro de um vínculo afetivo, tanto nas relações de conjugalidade quanto nas paterno-filiais.
Para exemplicar o vínculo de afetividade, Maria Berenice citou a frase do Antoine de Saint-Exupéry, “a responsabilidade decorrente do afeto”. O afeto, afirmou, é uma relação que merece a tutela jurídica. Na sua avaliação, as pessoas que optam por relações afetivas adversas devem assumir os encargos decorrentes delas, concluindo que o comportamento ético dentro das relações de família imposto em razão deste vínculo de convivência e de afetividade, precisa ser chancelado pelo Estado.
A magistrada lembrou que, antes da Constituição de 1988, filho ilegítimo não podia ser reconhecido porque as relações extrafamiliares não eram aceitas pelo fato de estarem fora do modelo legal. “Esta exclusão sempre gerou enormes injustiças nas relações concubinárias, pois estas não tinham seus direitos reconhecidos. Hoje, é comum a filiação socioafetiva e a multiparentalidade, a responsabilidade parental e o dano afetivo”, atestou.
Maria Berenice afirmou que reconhece que a atual Constituição Federal avançou, trazendo o termo afeto para dentro do sistema jurídico, a partir do momento em que a união estável passou a ser reconhecida. “Foi a jurisprudência deste país que trouxe as uniões de pessoas do mesmo sexo para o Direito de Família com todas as suas consequências. O próprio STF reconheceu que, entre o vínculo biológico e o afetivo, prevalece o biológico nas relações parentais. Além disso, o Supremo também decidiu que os efeitos sucessórios são iguais entre uniões estáveis e casamentos. Estes avanços ainda não conseguiram reconhecer outros vínculos existentes e, por mais que cause desconforto a alguém, não podem ser ignorados”, destacou, dando como exemplo as relações simultâneas.
Para a magistrada, não reconhecer a responsabilidade de um homem em relação às famílias que constitui é incentivar este tipo de vínculo. As uniões poliafetivas foram outro exemplo citado pela Maria Berenice, “ainda é alvo de surpresas e rejeições sociais”.
Hoje, disse, se fala em Direito das Famílias em face do seu conceito plural, e não há como não reconhecer e nem tentar engessar as pessoas dentro de estruturas legais, sociais, conservadoras, excludentes e, dessa forma, renegar segmentos “muito numerosos” de toda a população.
“Chega de engessamento. Uma sociedade livre deve ser respeitada da maneira que quer viver. Caber no coração de uma pessoa mais de um amor, é algo mais do que natural. Isso porque em nossos corações cabem vários amores reunidos, entre filhos, netos, sobrinhos etc”, concluiu.
Como de praxe, a Dra Sulamita Santos Cabral e sua diretoria procederam o sorteio de livros: “Intersexo” (Maria Berenice Dias); “Cidadania da Mulher, uma questão de Justiça” (OAB Editora); “OAB Ensino Jurídico” (OAB Conselho Federal); e “Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos” (Humberto Ávila).
Compareceram à reunião-almoço os seguintes diretores do IARGS: Dr Avelino Alexandre Collet (vice-presidente); Dra Lúcia Kopittke (vice-presidente); Dra Maria Isabel Pereira da Costa (diretora financeira); e Dra Liane Bestetti (diretora-secretária). Do Conselho Superior do IARGS, Desembargador Alfredo Guilherme Englert (provedor da Santa Casa de Misericórdia); Dr Marco Aurélio Moreira de Oliveira (ex-presidente TRE); e Dr Vilson Darós (ex-presidente do TRF4). O Dr Norberto Mac Donald representou o Conselho Fiscal. Também esteve presente o presidente da Associação dos Procuradores do Município de Porto Alegre, Dr Cezar Emílio Sulzbach.
Terezinha Tarcitano
Assessora de Imprensa
Sorteio
Entrevistas concedidas ao programa Momento Jurídico