Artigo do Dr. Gustavo Juchem, Diretor do Departamento de Direito do Trabalho do IARGS
As relações laborais estão sendo fortemente impactadas pela pandemia que acarretou a decretação de estado de calamidade pública. E não apenas em decorrência das medidas de prevenção e combate à transmissão do Covid-19 que, agora, devem ser aplicadas e observadas nos locais de trabalho. O necessário distanciamento social, que reduziu severamente o consumo e implicou temporariamente o fechamento de estabelecimentos e a paralisação de atividades, reduziu ou inviabilizou o trabalho, ao menos presencial, de grande número de trabalhadores. Para tentar conter os graves efeitos econômicos da crise resultante da pandemia, o Governo Federal concentrou suas ações, no campo do Direito do Trabalho, principalmente em duas medidas provisórias.
A Medida Provisória 927, enquanto permanecer o estado de calamidade pública, permite que empregado e empregador celebrem acordo individual escrito a fim de garantir a manutenção do vínculo de emprego, que prevalecerá sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição da República. Permite ao empregador, de forma unilateral, alterar o regime de trabalho presencial para o de teletrabalho, antecipar a concessão de férias individuais, conceder férias coletivas e antecipar o gozo de feriados. Autoriza, ainda, a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de “regime especial de compensação de jornada”, por meio de banco de horas, estabelecido através de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses.
A Medida Provisória 936 institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, o qual prevê a possibilidade de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e de suspensão temporária do contrato de trabalho, por acordo individual escrito ou por meio de negociação coletiva, podendo o empregado receber Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, de valor equivalente ao do seguro-desemprego, custeado pela União Federal, e ajuda compensatória mensal, de caráter indenizatório, paga pelo empregador. O empregado que tiver seu salário reduzido ou seu contrato suspenso e perceber o Benefício Emergencial terá assegurada garantia provisória de emprego.
O exame das medidas acima referidas, adotadas pelo Governo Federal, evidencia a flexibilização de institutos consagrados, visando facilitar e ampliar sua utilização neste momento, mas, também e especialmente, o reconhecimento de maior autonomia da vontade ao empregado, ampliando as possibilidades de empregado e empregador livremente ajustarem, temporariamente, condições de trabalho que permitam a manutenção da relação de emprego. O objetivo da redução parcial da tutela sobre algumas instituições é alcançar maior eficácia à proteção ao direito ao trabalho.
A constitucionalidade das Medidas Provisórias 927 e 936 já está sendo questionada perante o Supremo Tribunal Federal em diversas ações diretas de inconstitucionalidade. Mas, ao menos até o presente momento, o Pretório Excelso indeferiu todas as medidas cautelares solicitadas nas referidas ações, sinalizando que as medidas excepcionais previstas se justificam diante da gravidade da situação inédita que vivenciamos, e não violam direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores.
Muito embora certamente não tenha o Governo Federal pretendido, especialmente com a adoção da Medida Provisória 936, revalorizar os sindicatos de trabalhadores, atualmente enfraquecidos pela mudança no sistema de custeio sindical e a consequente dificuldade de financiar suas atividades, essa é uma possibilidade concreta. A ampliação do espaço para exercício do princípio da autodeterminação coletiva, mediante a inclusão dos artigos 611-A e 611-B na Consolidação das Leis do Trabalho, pela Lei nº 13.467/2017, faz com que a utilização da negociação coletiva permita às partes adotar soluções mais adequadas às suas necessidades e interesses, com maior segurança jurídica. Oportunidade ímpar para os sindicatos de trabalhadores provarem seu valor e se fortalecerem.
Apesar dos esforços governamentais para reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública, teremos indubitavelmente um aumento considerável do desemprego nos próximos meses. A quantidade de dispensados, somada aos questionamentos sobre a constitucionalidade e a aplicação da legislação trabalhista relativa ao Covid-19, acarretará um incremento no número de novas ações trabalhistas. Mudanças perceptíveis serão notadas nos modos de produção e nas formas de trabalho, com destaque para o uso da tecnologia e para o crescimento do teletrabalho. O Direito do Trabalho, inobstante a recente modernização de suas regras, terá o desafio de adaptar-se a essa nova conjuntura, objetivando a manutenção de empregos, a prevenção de conflitos e o oferecimento, aos trabalhadores informais ou excluídos, de proteção legal.
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